Cocaína lembrou Jota Quércia

Impossível ver notícias sobre cocaína relacionada a política sem lembrar daquele nada saudoso mineirinho, que nunca teve relação com o helicóptero apreendido com 450kg do que há de melhor do pó brasileiro. Pois bem. É a faixa “Meu Mineirinho” que abre o disco “Memes Against The Machine” (2018), da banda Jota Quércia.

“Quem sabe a gente não faz mais uma daquelas festas
No seu apartamento na Rodrigo de Freitas
Você já mora aí é só chamar Ronaldão e Zezé
A turma do nariz junta se Deus quiser
(…)
Relaxa mineirinho, pode confiar
O seu processo tá com o Gilmar
E não se preocupe com a delação
A gente pega e mata o vacilão!”

O duo de Belo Horizonte (MG), formado por Malibu (bateria e vocal) e Pepo (guitarra e vocal), define-se como a união do “pop-funk-rock-suave do ex-governador de São Paulo Orestes Quércia e as políticas conservadoras e anti-populares da banda mineira Jota Quest”. Não é nem preciso ressaltar o humor ácido e a ironia dessa dupla, ainda mais evidentes quando nos deparamos com os títulos das faixas dos dois trabalhos da carreira: “O Papa é Top”, “O Evongelho Segundo Dinho Ouro Preto”, “Luciano Huck eu te amo”, “MIMIMI” e tantos outros.

Para o site Hits Perdidos, outra auto definição: “roque suado e escorregadio para o delírio dos usuários de drogas recreativas da classe média belorizontina.” Com um som garagem, punk e stoner rock, Jota Quércia solta o verbo para o conterrâneo já citado, para a lava jato, para um ex-tesoureiro do PT pego pela operação, paneleiros, Vale, eu, você, politizados fazedores de memes, aquele grande pacto, com Supremo, com tudo, héteros que saem a caça em baladas “chapando vodka, red e ice”, Olavo o “filósofo”, para todos com muito a reclamar e “regra pra cagar”, manifestantes da CBF e muito mais.

Uma bela e rápida lembrança também é feita a Lasier Martins. O político, advogado e jornalista gaúcho que, com décadas de carreira, ficou nacionalmente conhecido como o repórter que levou choque de uvas durante reportagem sobre a Festa da Uva, em Caxias do Sul, em 1996. “Lasier Martins e as Uvas Elétricas” é toda dele.

Em “Um Grande Pacto Instrumental”, o trabalho ficou todo por conta dos políticos. Enquanto a dupla destrói nos riffs e na pancadaria, áudios das maracutaias e planejamento do golpe compõem a letra. Com direito à famosa engasgada demoníaca do vampiro:

“Olha, a solução mais fácil era botar o Michel.
Um grande acordo nacional, com o supremo, com tudo!
Aí delimitava onde tá….”
(…)
“e ao mesmo tempo, já esta666o encomend666s… tem que… 666 tem que 666 pedir uma pastilha”

Talvez, a música mais top do disco seja “O Papa é Top”. No fim das contas, sobra crítica para muita gente, mas o alvo me parece muito claro. O alvo está estampado na capa do álbum, cercado de Policiais Militares irreconhecivelmente calmos e pacíficos, enquanto faz uma selfie vestido de verde e amarelo e com a cabeça de um gigante emoction.

“Minha Opinião” vai para cima de diversos discursos homofóbicos, racistas e autoritários que surgiram aos montes nas redes sociais durante o período eleitoral. E também na boca de alguns “famosos” e famosos, que usaram a visibilidade para vomitar besteiras.

“Balada Hétero” já diz muito com o próprio título. Mais uma vez, Malibu e Pepo demonstram maestria no humor e na ironia.

“Toca um rock, um sertanejo ou um funk
Se as mina é água nossos broder vão na fonte
Como um urubu vou rodeando as muié
Virou carniça, é porque quer”

E nada melhor para finalizar que evocar uma grande figura controvérsia do rock brasileiro. “O Evongelho Segundo Dinho Ouro Preto” fecha o trabalho dos mineiros. Utilizando frases emblemáticas das músicas do Capital Inicial, aquelas famosas no Acústico MTV, Jota Quércia finaliza com chave de ouro esse disco de lindas homenagens.

No Bandcamp da banda é possível baixar o disco gratuitamente. Mas também dá para fazer uma contribuição que melhor cabe no seu bolso, pense bem: jotaquercia.bandcamp.com.