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25 de abril de 2024

Entrevista: João Donato


Por Rafael Donadio / Coluna "Ao pé duvido" Publicado 20/06/2019 às 14h53 Atualizado 23/02/2023 às 01h03
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João Donato. Mais de 60 anos de história de música brasileira materializada naquele senhor de expressão sorridente e calma. Ali estava ele, em um banco de madeira, no camarim do Teatro Calil Haddad, antes da passagem de som. Ele participaria da última noite do 41º ano do Femucic – Mostra de Música Cidade Canção. Fernanda Inocente aceitou meu convite para fotografá-lo e fomos os dois para o teatro, no meio da tarde.

Ele chegou de camisa florida e o emblemático boné que não lhe cabe na cabeça, mas que está sempre bem encaixado. Enquanto tomava um suco e comia os salgadinhos que tinha no camarim, já distribuía os primeiros autógrafos e posava para fotos. Veio acompanhado de Ricardo Pontes (saxofone e flauta), Robertinho Silva (bateria), Luiz Alves (contrabaixo) e Donatinho (teclados) para apresentar o show Donato Instrumental e Jazz. Ele, claro, no piano. No repertório, “Bananeira”, “A Rã”, “Até Quem Sabe”, “Cala a Boca Menina”, algumas outras canções e uma versão muito bonita de “Maringá”. Como ele mesmo disse: “Nós utilizamos as músicas que a gente mais gosta de tocar, que as pessoas chamam de clássicos.”

O músico acreano radicado no Rio de Janeiro nasceu em 1934, em Rio Branco. Aos 11 anos, mudou-se com a família para a Cidade Maravilhosa, mas nunca deixou a Amazônia sair de dentro dele, mesmo quando morou nos EUA. Depois de criar um dos ritmos mais famosos do mundo, ao lado do amigo João Gilberto, a Bossa Nova, Donato foi aprender jazz com os norte-americanos. Lá, também aprendeu muito ritmo latino e se aprofundou ainda mais nos sons afro-cubanos, afinal, era ali que estavam os trabalhos para os músicos da época: nos bailes de música latina.

Donato já tocou com Bud Shank, Carl Tjader, Johnny Martinez, Tito Puente, Mongo Santa Maria. Aqui no Brasil, fez parceria com Martinho da Vila, Tom Jobim, Vinicius de Moraes, João Gilberto, Dorival Caimmy, mais recentemente com a banda Bixiga 70, no disco “Donato Elétrico” (2016), com o filho Donatinho, em “Sintetizamor” (2017), e tantos outros. A lista é imensa.

Antes de voltar de terras norte-americanas, Donato entrou na onda da psicodelia do começo da década de 1970 e gravou “A Bad Donato” (1970), um misto de jazz fusion com funk. Como ele mesmo já declarou, tudo embalado em viagens de LSD. Os arranjos foram feitos pelo também brasileiro Eumir Deodato e participações de Bud Shank, Oscar Castro Neves, Dom Um Romão e Paulinho Magalhães.

Na volta, outro marco. O músico gravou o primeiro disco com letras, “Quem é Quem”. Apesar da qualidade inquestionável, a gravadora não achou que venderia e resolveu não fazer as festas de lançamento. João Donato chamou a imprensa, subiu no alto da Igreja da Glória, no Rio de Janeiro, e lançou os discos, literalmente. Arremessou um por um lá de cima.

Prestes a completar 85 anos, Donato diz que idade é só uma questão de número. E realmente parece ser, subiu ao palco e mostrou um entrosamento com a banda de deixar qualquer um boquiaberto. As músicas não precisavam ser anunciadas, só as primeiras notas bastavam para o resto da banda acompanhar. Fez todos da plateia celebrarem com uma comemoração peculiar, que mais parecia um boneco de posto de gasolina. E foi dessa mesma forma que pediram mais e mais bis. O músico atendeu vários.

Durante alguns minutos, pude conversar com Donato. Fomos de desenho animado ao jazz, passando por cinema e o segredo de estar sempre na moda. Confira.

– Li um texto que dizia que o senhor assistia, na década de 50, repetidas vezes os mesmos filmes, porque a trilha sonora antecipava o que chegaria em vinil mais tarde aqui no Brasil. Qual a importância do cinema para a música do senhor?

Donato: Não foi só influência da música, mas também influenciou todo mundo a fumar. Tudo que era moda no cinema, as pessoas imitavam, a cultura norte-americana, grande influência que nós temos aqui. A influência era grande para todo mundo, inclusive para mim. Vi muitos filmes musicais e as músicas eram sempre muito bonitas. Eu vi Ava Gardner cantando “Speak Low” no filme “One Touch Of Venus” (1948), não sei como traduziram (Vênus, Deusa do Amor). “Speak Low” é uma música lindíssima, pela primeira vez eu vi aquilo. Ela ainda fazia o papel de uma Deusa do olimpo, então uma hora ela teria que desaparecer, então ela namorava um camarada, gerente de um shopping. Outro filme foi “Invitation” (1952), que passou e eu aprendi a música vendo o filme diversas vezes para ter que gravar a pedido da companhia. Eles pediram que eu gravasse e eu perguntei como era, eles falaram para eu ir no cinema e aprender. E eu fui diversas vezes. E isso é de um modo geral, porque a maneira mais fácil de um país invadir o outro é através da música. O Brasil, por exemplo, só ouve música americana, isso não me surpreende mais, mas fico descontente. Em lugar público fica tocando música norte-americana. Eu cheguei dos EUA agora, ninguém ouve outra coisa, a não ser a própria música deles em lugares públicos. Por que não toca música brasileira lá? Por que só tocam coisas americanas aqui? Parece uma lei, uma espécie de complô, um domínio. Você vê meninada de todo canto aqui, que às vezes nem sabe falar inglês, cantando imitando o som das palavras em inglês.

 

– Falando sobre essa influência norte-americana. Quando tive a oportunidade de conversar com Naná Vasconcelos, ele me disse que o grande segredo era que, apesar de estar fora, ele nunca tinha saído daqui. Ele entendia que tinha algo a mais por ser brasileiro. O senhor tinha esse tipo de pensamento quando morou lá?

D: Acho que sim. Todos nós brasileiros temos orgulho de sermos brasileiros, assim como jogador de futebol. Enfim, a gente vai para onde for, mas tem essa coisa de ser brasileiro. Eu também tenho.

 

– Como foi criado esse show que vai apresentar em Maringá, Donato Instrumental e Jazz? Como foi escolhido o repertório?

D: Nós utilizamos as músicas que a gente mais gosta de tocar, que as pessoas chamam de clássicos: “A Rã”, “Lugar Comum”, “Até Quem Sabe”, “Emoriô”, “Bananeira”, a gente vai fazendo. A banda varia muito, tem show que tem um trompete, tem show que não tem. Tem hora que tem trompete e trombone. Tem hora que tem o Donatinho, meu filho, no teclado, como é o caso agora. Nem todos os dias a banda é a mesma.

 

– O senhor toca com Robertinho Silva (bateria) e Luiz Alves (contrabaixo) há muito tempo. Como foi formada a banda? Como se conheceram?

D: Tocamos há mais de quarenta anos já, se não mais. Nos conhecemos no Rio de Janeiro, batemos de frente diversas vezes. Nos encontramos em diversas ocasiões, em clubes, em gravações, até que criamos o hábito de tocarmos juntos. Já estamos tocando há quase 40 anos.

– Apesar de ser um dos precursores da Bossa Nova e bem amigo de João Gilberto, o senhor me disse em outra conversa que não se prendeu a Bossa para não parar de experimentar. O senhor considera que jazz é a melhor forma de continuar experimentando?

D: É a melhor. A pessoa que gosta de jazz já vem daquele jeito, como os roqueiros que gostam de rock porque gostam, não dá para explicar. Já nascem assim. Uma das formas mais internacionais da música, vamos dizer assim, é o jazz. Em todos os países existe o jazz e o pessoal que toca. Aqui é o meu caso. Sempre gostei de jazz, fui para os EUA, passei 12 anos lá, convivendo com eles para ver se aprendia um pouco mais. De acordo com os músicos de jazz de lá, eles trabalhavam mais em orquestra latina do que de jazz, porque o jazz nunca foi muito popular. Nas orquestras latinas tinha muito mais trabalho para ser feito, porque tinha uns bailes da turma de latinos, que gostam daqueles “cha cha chas”, rumba, merengue, calipso e tal. Enfim, eu aprendi muita música latina lá, porque os próprios americanos tocavam nas orquestras de músicas latinas mais do que nas orquestras de jazz.

 

– O senhor comentou sobre o Donatinho, seu filho. O senhor gravou o “Sintetizamor” (2017) com ele e também gravou o “Donato Elétrico” (2016) com um pessoal novo que o senhor chama de “paulistinhas”: Bixiga 70, Kastrup etc. Como é a convivência com esse pessoal mais novo?

D: É uma mistura danada. Eles me procuram, eu procuro eles. Vem mais deles a procura, por serem mais jovens e procurarem um pouco mais de referência com os mais experientes. A experiência de produzir com eles é sempre positiva, enriquecedora, tanto para eles quanto para mim. Não sou tão novo assim, vou fazer 85, agora em agosto. Mas é só questão de números, a gente se entende perfeitamente bem. Eu gosto muito desses artistas novos que estão me procurando, acho bonito, o frescor da juventude.

 

– Da outra vez que conversamos, o senhor lembrou de Maringá como a cidade natal de Sergio Moro, e não foi de uma forma muito boa…

D: Eu?! Não, não falei nada disso não. Meu amigo é o Sergio Mendes. Poucos dias atrás, em Los Angeles, ele foi no meu show e fez questão de me apresentar para a plateia, o Sergio Mendes. O Moro, só vejo ele pela televisão e não gosto muito de política. Então, nem vejo muito. Vejo, mas já passo para outro programa, programa esportivo, até desenho animado (rs). Alguns eu gosto. Daquele Papa-Léguas, que faz “bip bip”, e tem uma raposa, um coiote, não sei, que sai correndo. Eu acho aquilo delicioso. Não lembro de ter me referido ao Sergio Moro, o que eu sei de Maringá é aquela canção: ‘Maringá, Maringá, depois que tu partiste, tudo aqui ficou tão triste, que eu garrei a imaginar.’ Diz que é uma índia, né, a Maringá? Uma índia que foi embora e deixou saudades.

 

– Em uma entrevista com a jornalista Roberta Martinelli o senhor disse: “O que é moderno não é o que é feito ontem ou hoje, é o que foi feito há muito tempo e não passou de moda.” Podemos dizer que João Donato está na moda há uns 60 anos, no mínimo?

D: Pode dizer! (rs)

 

– Existe algum segredo para isso?

D: É fazer o que você acredita que é, não perder a fé, acreditar em Deus. Como diz o Gilberto Gil, “andar com fé eu vou, que a fé não costuma faiá”. Eu tenho muita fé e acredito muito em mim, eu acho que estou certo no que faço. Tem que encontrar um caminho e seguir aquele caminho e não se incomodar com nada, com as pessoas que dizem que “não”, que “não pode”, que fazem chacota. Você vai passando por tudo, por todos os obstáculos, cada obstáculo é um incentivo para você transpor. Cada derrota é um novo começo. É só não desanimar. O segredo é esse, não desanimar. Ânimo! Fazer o que a gente acha que é e bater o pé nisso, porque acaba dando certo.

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