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20 de abril de 2024

O fim da infância


Por Victor Simião Publicado 07/03/2019 às 16h00 Atualizado 20/02/2023 às 11h40
 Tempo de leitura estimado: 00:00

Para Osvaldo, Bá e Lu. 

Não é fácil sofrer por amor: a barriga dói, o coração bate mais forte. Imagine, então, como eu ficava angustiado quando me apaixonava intensamente aos cinco anos de idade, sem ser correspondido. Eu sentia o mundo cair, uma sensação ruim só superada quando a TV Globinho acabou.

Naquela idade, após infrutíferas tentativas de relacionamentos, decidi mudar minha abordagem. Até então, minha tática consistia em chegar até a garota e apresentar a ela todo o conhecimento de mundo que meia década de vida me proporcionara.

– Quer ser mãe do James e do Luck? – eu perguntava.
– Quem é eles? – elas respondiam, sem conjugar o plural, porque ninguém faz isso nessa idade.
– É os filhos que eu quero ter com você.

Quando não saiam correndo, chorando, elas viravam as costas. Aí a barriga doía, o coração batia mais forte. Ainda mais porque não havia tempo de explicar que os nomes vinham dos filmes do 007 e da saga Star Wars, assistidos com o meu pai.

Certa vez ouvi uma namorada do meu irmão dizer que a pessoa só entra na vida adulta depois que se casa. Na minha cabeça, portanto, eu só poderia entrar na infância se tivesse uma namoradinha – que raciocínio!

É aí que entra T.A. Não sei se me apaixonei à primeira vista. Hoje, duas décadas depois, eu creio que não. Nosso primeiro encontro foi marcado pela merenda de arroz e polenta que derrubei nela, sem querer. Ela chorou, o que não pareceu significar que estava apaixonada por mim. Mas quem sabe? O amor é confuso; aos cinco anos de idade, impossível de ser definido.

Talvez eu tenha me apaixonado à segunda vista. Eu e T.A. interpretamos uma peça teatral na escola. Em resumo, o roteiro contava o nascimento da mandioca. Na encenação, eu era um índio; ela, uma índia. Na cena derradeira eu morria com uma mandioca na mão. T.A. permanecia viva e declamava a frase final, com uma solenidade que, se fosse vista por Tenesse Williams, teria sido levada à Broadway.

– E assim, senhoras e senhores, nasceu a mandioca!

Palmas, palmas e mais palmas.

Daí em diante a minha vida mudou. O começo da infância havia chegado. Era beijinho no rosto para lá, beijinho no rosto para cá. Nas festas temáticas na escola, em 1999, avançávamos ainda mais: pegávamos na mão um do outro! A paixão era tanta que citei para T.A. um verso de uma música que eu ouvira tocar na Ilha FM, de Umuarama, numa das tardes modorrentas daquele fim de século.

“Complicada e perfeitinha, você me apareceu. Era tudo que eu queria, estrela da sorte.”

Não me lembro muito bem como terminamos aquele ano, só sei que não estávamos mais
juntos. Como havia a promessa de que o mundo acabaria, torci para ser verdade. A vida não faria sentido sem T.A.

Os anos se passaram, as fotos daquela época ficaram. O mundo deu voltas e eu e T.A. nos reencontramos. Aos 13 anos, na oitava série. Não foi uma fase feliz; a adolescência não é uma fase feliz: pelos demais e voz fina, no meu caso. Pelos demais e voz grossa, no caso dela. Eu não estava bonito, ela não estava bonita. Mas de uma coisa eu sabia: T.A. era a minha eterna índia.

Pouco conversamos na época, e nunca falamos sobre o passado. Afinal de contas, era uma história de 1999, do século anterior. Se tivéssemos abordado o assunto, teríamos lembrado que havíamos sido um belo par – que, se não me engano, causou inveja em todo o Jardim da Infância. Não deu tempo de falarmos sobre. Pouco depois de nos reencontramos em uma nova escola, eu me mudei para Maringá.

Anos depois, já jovens, com 16 ou 17 anos, mais uma vez nos vimos cara a cara. Eu visitava meus amigos em Umuarama.T.A. havia se tornado amiga deles. Você estava tão bonita, T.A., e eu ainda tinha pelos demais e voz fina. Eu comecei a te acompanhar e nunca mais parei de te seguir nas redes sociais.

Hoje, sei que você é bem sucedida, que nem precisou da Broadway. Dia desses, vi no Facebook do L.H. que você se casou. Fiquei feliz, T.A. Feliz por você, pelo seu marido, por mim (pois já não há excesso de pelos e nem a voz fina!).

Vendo suas fotos de casamento, pude voltar a todas essas recordações agora escritas. Olhando seu vestido branco, eu me lembrei do vestido xadrez que você usou na festa junina em 1999. Não me bastando a memória, procurei na casa dos meus pais a foto desse dia. Para minha surpresa, achei a imagem. Estávamos lá, eu e você, lado a lado. Seus pais tinham desenhado sardinhas no seu rosto. Os meus pais haviam desenhado um bigode em mim. Hoje você não tem sarda; e eu agora tenho um bigode que não precisou ser feito com um canetão.

Com a foto em mãos, de quando tínhamos cinco anos de idade, e vendo as fotos do seu casamento, agora que temos 24, percebi: o fim da infância chegou.

Acho que você não vai ler esta crônica, mas, caso isso ocorra, eu tenho duas coisas para te dizer: 1) Felicidades nessa vida de casada!; 2) Nenhuma índia vai dizer melhor do que você: “E assim, senhoras e senhores, nasceu a mandioca!”.

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*O colunista informou na crônica passada que sairia de férias. Sairia. A vida é dura, a labuta urge, e ele não sabe mais quando poderá descansar debaixo de sombra e com água fresca. 

Pauta do Leitor

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