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24 de abril de 2024

O mundo está cada vez mais chato


Por Victor Simião Publicado 08/08/2019 às 17h00 Atualizado 23/02/2023 às 19h54
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Não se pode mais chamar homossexuais de viadinhos. Eles se ofendem, te chamam de homofóbico, preconceituoso. Olha só, logo eu, que até tenho amigos gays. O Jorge, funcionário da minha empresa, puta cara legal, viadinho, meu amigo, o cara, mas me disse que sou homofóbico quando eu falei pra ele largar mão de ser bicha e beber cerveja que nem homem.

– Mas eu sou homem, Carlos. E eu bebo cerveja igual a todo mundo. Você só enche meu saco porque eu sou gay. Isso é homofobia – ele me disse.

Um mala, o Jorge, no fim das contas, superafetado que não gosta de brincadeira. Quando eu era criança todo mundo era saudável, não tinha esse negócio de bulim. Se a Ana se matou com 12 anos, lá em 1974, não foi porque a gente chamava ela de vareta cabeçuda, de perna de grilo, boca de sapo. Era falta de Deus no coração. Hoje falam que é depressão, outra mentira que contam. Doente, a sociedade? Baboseira. Tem que acordar cedo, trabalhar sem reclamar. Ir à missa.

É aí que eu concordo com o Eduardo, o meu irmão. Nosso pai criou a gente de maneira decente. Ele batia na nossa mãe, bebia, tinha amantes, mas nunca deixou que nada faltasse na nossa casa e trabalhava muito prum pessoal da política. Apesar de apanhar, mamãe nunca abriu a boca para reclamar dele, dizia que a culpa talvez fosse dela porque o papel da mulher na sociedade vinha crescendo, dizia que a vida dela estava nas mãos de Deus.

Deus, inclusive, sempre presente em nosso doce lar. Aos domingos, meu pai ia à missa. Era respeitado na igreja. Lá, é verdade, ele costumava ajeitar um ou outro negocinho por conta do jogo do bicho. Meu pai. Esse, sim, cheio de amigos, meu pai era de qualidade. Sempre dizia que homem não chora, que tem que dar porrada mesmo, que mulher tem que calar a boca e ouvir, e que se um ou outro vagabundo morreu durante aqueles anos é porque eram terroristas infiltrados que queriam transformar o Brasil numa ilhota vermelha. Quando morreu, apesar de somente eu e o Du termos ido ao velório, sabíamos que ele tinha sido a melhor pessoa do mundo e que todos amavam ele.

Tenho saudades do meu velho, da minha infância. Lá em São Paulo, a filha da empregada era a coisinha mais gostosa. Maria Alice, o nome dela. Eu chamava ela de Pretinha, Neguinha Minha, e não era racismo. E ela gostava, até porque nunca nem ela e nem a mãe dela falaram nada. Agora hoje, hoje não pode, é racismo, machismo, o diabo. Sei lá como o meu filho vai perder a virgindade com a emprega, já que hoje tem que tomar muito cuidado pra não ser processado. Que mundo chato!

E o pior é que ninguém fala do racismo reverso. Eles, os negros, nos oprimem. Falam de branquitude, racismo estrutural, que o mundo é dominado pelos brancos. Como assim? Não é a cor que importa. Não existem raças, existe só o ser humano! Deus criou todos da mesma forma. O problema, eu acho, é que eles gostam daquelas religiões do demônio, da África, coisas que envolvem batuques. E se vez ou outra eu procuro um terreiro pra despachar é só por desencargo de consciência, ninguém fica sabendo, porque foto, foto eu só tiro quando vou à missa aos domingos.

Os afrodescendentes – é assim que fala, né?, pra não ser racismo -, eles começaram a frequentar as nossas faculdades agora, aí se acham inteligentes. Lorota: entraram por cotas, sem mérito nenhum, e tiraram a vaga de quem realmente precisa, de quem estudou durante anos no Marista, no Integral, no Nobel. Eu mesmo, eu mesmo não entrei em faculdade pública. Fiz privada porque eu mereci, meu pai pagava. E foi bem melhor, porque, apesar de eu nunca ter pisado o pé numa faculdade pública, eu sei que é uma balbúrdia. Gente pelada, fumando maconha, lendo uns textos de um americano chamado Karl Marx. E pensam que são inteligentes. Queria ver se eles sobreviveriam à temporada de intercâmbio que eu fiz nos Estados Unidos fritando hambúrguer o dia todo. Aí sim, aí sim a gente veria se eles são inteligentes.

Eles, os afrodescendentes – assim que fala, certo? – dizem que, só porque houve escravidão no Brasil durante quase 400 anos, só porque quando a Lei Áurea foi feita e os negros foram lançados ao nada e sem nada, só porque eles são a maior parte da população carcerária, só porque eles são os que mais morrem, só por isso o país é racista. Que mundo chato!

E você não sabe. Um estagiário ali da contabilidade, o Cristiano, apesar de negro, muito inteligente e educado, reclamou esses dias que o chefe dele, o Fábio, meu número cinco na empresa, chamou ele de Neguinho. Mas o Fábio me disse que foi de maneira carinhosa. Quando me chamavam de branquelo riquinho eu nunca reclamei. Se fosse hoje, seria racismo reverso. Mas eles falam que racismo reverso não existe. Sabe o que é? Eles não gostam de ouvir a verdade, eles gostam é de mimimi. Eu tava até desanimado, pensando em fechar a empresa, mas ainda bem que no fim do ano passado, em novembro, tudo mudou.

Aliás, essa vontade de fechar a empresa já vem de uns quatro anos, porque tá bem difícil, já não consigo viajar cinco vezes por ano pra Miami e Orlando City. E as pessoas tão ficando cada vez mais chatas. A Daniela, minha secretária, não gosta quando eu digo pra ela vir de saia, pra mostrar as pernas bonitas; é só um elogio! Ela também diz não gostar quando eu chego atrás dela no café e dou uma esfregada. Fala que é machismo, assédio. Onde ela estudou? UEM, né. E no fundo eu sei que ela gosta, é o homem quem manda, meu pai que disse. E mulher é sempre mais difícil, todo mundo sabe, até porque, se for atrevida, é vagabunda, né, e não serve pra casar. Por isso que eu prefiro ter amantes que trabalham nos escritórios vizinhos, porque daí não me ameaçam com processo e por um ou outro presente ficam quietas. Em todo caso, eu tenho a minha esposa, que é feliz, até porque não reclama de nada e passa as tardes lá no Country – e, pelo que o pessoal que vigia ela pra mim me conta, sem homem nenhum por perto – porque esse negócio de empoderamento feminino é coisa de estudante maconheiro. Mulher deve respeito ao varão. 

A vida não é mais como antigamente, o mundo está cada vez mais chato. As pessoas hoje reclamam demais, é muito mimimi. Aí falam que o que eu falo é Uaite Pipoul Problam, que eu tenho que fazer terapia. Eu acho que é mentira, mas, em todo caso, é por isso que eu vim aqui, doutora. E não vai ter foto, que só tiro quando vou à missa. A psicologia pode me ajudar?

– É…

 

Fale com o cronista pelo victorsimiao1@gmail.com.

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