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19 de abril de 2024

A POLÍTICA, A CIÊNCIA E OS RESÍDUOS


Por Rogel Martins Barbosa Publicado 24/09/2019 às 10h00 Atualizado 24/02/2023 às 09h06
 Tempo de leitura estimado: 00:00

É sabido e consabido que o compasso da política não é o da ciência. Na verdade, é difícil acreditar que haja um compasso entre eles. Mas em determinados assuntos, a política não pode ignorar a ciência e a ciência não deve ser norteada pela política. Um destes assuntos é o resíduo. Lixo mesmo. Basura, waste.


Atualmente o velho continente tem elegido o plástico como o grande vilão da humanidade. Ora, o plástico, quando se torna resíduo, realmente é um problema. Não sei se maior que o resíduo nuclear ou que o resíduo espacial ou que o resíduo hospitalar. Mas sei que ele é um problema, porque todo resíduo, se não manipulado nos termos do direito dos resíduos, é um problema.


Para a nova ordem, a saída está ou na reciclagem ou no não uso. O não uso está focado principalmente nas embalagens de alimentos. Isto me preocupa, porque isto é uma política. Não me preocuparia, por exemplo, se não houvesse tanto desperdício de alimentos, em especial por europeus. A política não se preocupou com o cálculo da perda de alimentos. Uma conta que a ciência determina que deva ser feita, mas que a política ignora. Também me preocupa que a política não demonstra tanta preocupação com o plástico de outros produtos, como dos celulares, como dos carros. De regra estes plásticos usados em veículos, aeronaves, celulares, etc., não são recicláveis, mas de uso único, já que sofrem um tratamento antichamas que inviabiliza seu retorno à cadeia produtiva.


A outra solução é a reciclagem, que como disse, nem todo plástico pode ser submetido. O processo de reciclagem é interessante. Há uma perda de energia no processo e também de material, mas é uma solução possível para o atual estágio tecnológico.


O plástico, quando resíduo, é um problema e quando ele vira micro resíduo, aí ao invés de se tornar um micro problema, se torna um macro problema mais preocupante. Recente a ciência e a política se manifestaram sobre este assunto.


Primeiro ponto, o que são microplásticos? São plásticos cujo tamanho é inferior a 5mm. Ou seja, não importa sua composição, se polietileno, polipropileno, policloreto de vinil, etc.
A ciência se manifestou através de um estudo que identificou microplásticos na água potável e a política se manifestou através da OMS sobre estes estudos. A manifestação da Organização Mundial da Saúde (OMS) se deu em 22 de agosto de 2019.


Maria Neira, diretora de Saúde Pública, Determinantes Ambientais e Sociais da Saúde da OMS fez a seguinte manifestação pública: “Com base nas informações limitadas que temos, os microplásticos na água potável não parecem representar um risco para a saúde nos níveis atuais, mas precisamos descobrir mais. Também precisamos deter o aumento da poluição por plásticos em todo o mundo”1 . Esta fala tem como base um apanhado de estudos do livro “Microplastics in drinking-water” ou em tradução livre “Microplásticos na água potável” da própria OMS (2019).


Da fala dela fica claro um norte político e não uma certeza científica. O norte de que do jeito que está se tolera a presença dos microplásticos na água potável e de que o microplástico está sujeito à questão do direito ambiental, como fator de poluição e não como um subproduto no processo social de produção e consumo, como é visto pelo direito dos resíduos.
Aonde pode nos levar esta política? Primeiro ponto é que a OMS influencia os governos, em especial aqueles que precisam de seu auxílio ou participam de seus programas. Isto significa que pode se gerar uma política mundial de tolerância ao microplástico na água potável no atual estágio que estamos. Esta tolerância pode inclusive desmotivar o aperfeiçoamento do sistema de tratamento de água. Sei que na manifestação em alguma parte fala da importância do tratamento das águas residuais e da filtragem, mas a mensagem maior é a que apresentamos.


Segundo, pode manter o equívoco de tratar a questão dos resíduos como algo sujeito ao direito ambiental, quando há um ramo específico do direito que trata da questão de forma mais ampla e eficaz.


Só uma pequena reflexão: se tratada a questão dentro do direito dos resíduos, pode o processo que microniza o plástico para sua reciclagem ser revisto assim como a degradabilidade do plástico, que pode ser um potencializador de distribuição do microplástico.
A questão ainda não respondida é quanto o microplástico impacta na natureza e quanto ele impacta na saúde humana. É sob o princípio da valorização que analisará se compensa reciclar ou encerrar o ciclo do produto.


A ciência também não conseguiu chegar a um denominador sólido da realidade, o que significa que novos estudos deverão ser feitos. Como ainda não se tem certezas absolutas, não sabemos o máximo ou mínimo que o MP pode ser suportado sem efeitos danosos e nem sabemos se eles realmente se deslocam pelo globo através da massa de ar ou da massa de água.


Se ainda não sabemos, como deve ser a política? Impedir o uso de plásticos?


Acredito que o que deve ser feito é a divulgação máxima dos estudos, de forma completa para uma análise crítica de toda população.


A política adotada pelo burocrata não pode dar norte algum. As pessoas devem escolher a política. Um órgão sem certeza não pode dizer “não se preocupem” ou “se preocupem”. Quando há incerteza, a decisão é do povo e não do técnico. A escolha das pessoas é que determina a política e não o contrário.


Somente uma discussão pública pode determinar o norte a ser tomado no fluxo do material plástico perante o metabolismo social que tem causado o subproduto micro resíduo plástico. Esta discussão pública determinará a divisão proporcional dos bens e encargos relativos ao plástico e seus micros pedaços residuais.

Rogel Martins Barbosa, advogado, Doutor em Direito dos Resíduos, professor do curso História dos Resíduos e autor de obras jurídicas, entre as quais Politica Nacional de Resíduos Sólidos Urbanos, Guia de orientação para municípios.

1 – https://nacoesunidas.org/oms-pede-mais-pesquisas-sobre-microplasticos-e-reducao-da-poluicao-por-esses-materiais/

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