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23 de abril de 2024

Para não esquecer a Boate Kiss


Por Victor Simião Publicado 28/09/2018 às 22h20 Atualizado 18/02/2023 às 10h58
 Tempo de leitura estimado: 00:00

É impossível sair indiferente após a leitura do livro “Todo dia a mesma noite”, de Daniela Arbex. A jornalista mineira, autora dos premiados “Holocausto Brasileiro” e “Cova 312”, relata a história de algumas das vítimas que morreram na tragédia na boate Kiss, em Santa Maria (RS), em janeiro de 2013. Mais do que isso, ela nos conta como está a vida de alguns dos sobreviventes e também dos familiares.

Na tragédia, 242 pessoas morreram e mais de 600 ficaram feridas. Os óbitos foram causados por queimaduras e inalação de fumaça tóxica.

Publicado neste ano pela editora Intrínseca, o livro-reportagem é uma espécie de quebra-cabeça. Aos poucos, Daniela relata a vida de alguns jovens que foram à boate na noite de 26 de janeiro e que morreram durante a madrugada do dia 27, um domingo.

Entretanto, até chegar a esse ponto, a jornalista, por meio dos relatos de socorrista, nos mostra a luta de quem trabalhou para resgatar vidas e corpos. Tipo o que o médico Carlos Dornelles viu.

“O médico começou a atender os sobreviventes na rua; porém, àquela altura, já havia mais de cinco pessoas sem vida no asfalto. Quando examinou a boca de uma das vítimas, uma garota, levou um susto: uma fumaça preta saía de sua garganta. Os olhos estavam completamente brancos, queimados.”

O drama só piora conforme a reportagem da jornalista.

Quando a repórter especial do Tribuna de Minas reconstrói as horas antes da tragédia a partir de alguns personagens, não há como não se comover. Pais desesperados que ligam para os filhos, que não atendem; as primeiras notícias, os corpos no chão da boate. Uma cidade desolada, um estado pego de surpresa, um país estarrecido.

Se a leitura nos cria belas imagens a partir de um conto de Tchekhov, por exemplo, ela também cria tragédias e tristezas em nossa mente. Daniela Arbex, pelo excelente texto, nos faz reconstruir que aconteceu. Nesse caso, é quase insuportável. Nos toca ainda mais quando nos damos conta de que tudo é realidade.

Tipo quando empregada e patrão descobrem que os filhos, separados pela estrutura social, são vítimas da tragédia, corpos colocados em um ginásio para o reconhecimento. Ou então quando lemos que pelo menos cinco jovens, que saíram com vida da boate, decidiram voltar e salvar os amigos e aí morreram.

Por fim, o drama dos familiares que, vivos, faleceram de alguma forma: entregaram-se à bebida, sucumbiram à depressão, separaram-se no casamento.

Uma série de erros

Além dos dramas humanos contados pela jornalista, há os problemas sociais, digamos assim. Desde 2009, quando foi aberta, até 2013, quando fechou, a boate Kiss nunca funcionou de forma plena, com todos os documentos corretos. Sempre faltou alguma coisa.

Mais do que isso, a causa do incêndio foi uma série de erros. O produto colocado na casa para isolar o som era inapropriado, fora colocado por um funcionário não habilitado para o serviço. Esse material, em contato com o fogo causado por conta de um foguete indoor de baixa qualidade, soltou ácido cianídrico – “um dos venenos com ação mais rápida que se conhece – [que] impede o transporte de oxigênio para órgãos vitais”, escreve Daniela.

No livro também estão os relatos envolvendo problemas entre o Ministério Público e os familiares das vítimas. Na opinião destes, o MP foi brando e tirou a acusação de possíveis culpados, principalmente políticos locais. Para quem perdeu um ente próximo, é a omissão do Estado. E é difícil não se revoltar com isso

A vida continua – ou quase isso

A tragédia Kiss, de alguma forma, mostrou o que o ser humano tem de bom e de ruim. Daniela relata a história de associações que foram criadas para cuidar do psicológico de pessoas impactadas por conta do ocorrido. Ela conta, também, da solidariedade da maior parte das pessoas que viveram aquele momento.

Há, por outro lado, pelo menos dois momentos de revolta. Um, quando evangélicos culpam os familiares de uma das vítimas. Eles dizem que a mãe não deveria ter deixado o filho ir até o local e que a morte era um castigo de Deus (já que o filho supostamente estaria em um local do diabo); e quando vendedores preferem que sejam comprados caixões mais caros.

Para essa raiva, a solidariedade. E isso ocorreu. Exemplos: taxistas não cobraram corridas, pessoas se voluntariaram para carregar os corpos etc.

“Todo dia a mesma noite” é um livro para que a tragédia na boate Kiss não seja esquecida.

Os nomes das vítimas, aliás, estão nas partes internas do livro. É uma importante homenagem para quem morreu mas, principalmente, para quem permanece vivo e vive a mesma noite todo dia.

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