Sexta-feira da Paixão de João

No boteco, o mesmo assunto nas últimas três semanas.
– Estou apaixonado por ela.

Na terapia, a mesma confissão nas últimas três semanas.
– Sim, ela é casada. Mas e daí?

Até na casa da avó perceberam que ele está mudado.
– Não come nada, João. O que houve?
– Estou apaixonado.
– Vai morrer de fome, filho.
– Vou é morrer de amor.

Um burocrata, João passa a vida a carimbar papéis na prefeitura. Às 16h50 de sexta-feira, ó céus, guarda o celular, o maço de cigarros e o bloco de notas na bolsa.

– Chegar em casa mais cedo, acender uma vela para Jesus Cristinho, rezar para que ela pense em mim.

Infeliz no setor, odeia atender aos munícipes, jornalistas e cargos comissionados que ali estão e não sabem lhufas de nada. Todo dia, quando acorda para ir trabalhar, arrepende-se mortalmente da escolha de vida que fez.

– Minha mãe me dizia que eu poderia ser diplomata. Que burro que fui. Agora sou um mero…

Mas nas últimas três semanas, desde o dia três, quando volta para casa após o expediente, a vida muda. Pensando na paixão proibida, olha-se no espelho e se vê como o homem mais feliz do mundo.

– Até pareço um diplomata!

Às 17h30 de sexta-feira, decide enviar uma mensagem à mulher que não lhe é permitida por ser casada.

“Maria, meu bem, queria tanto te ver hj. Não há ninguém no mundo q me deixa mais em paz q vc. Que tal às 20h, na Raposo Tavares?”

Sem receber a resposta na hora, João entra em desespero…
– Deve ter se esquecido de mim!

Mas logo o celular vibra. João abre o Whats e vê a resposta.

“Rs. Vc é um bobo mesmo. Sabes que gosto tanto de ti. Tentarei ir, mas tem que ser coisa rápida. Somos só bons amigos, né, brother, rs?”

O coração de João bate mais forte.
– Vou ter um infarto!

Ela respondeu que sim, mas que não. Disse que gosta de João, mas deixou marcado: são só bons amigos. Não há dúvida: o burocrata prefere ter cinco minutos com ela a passar o resto da noite de sexta-feira na mais mísera solidão.

“O tempo q vc quiser, minha Monalisa. Pensei tanto em vc hj enquanto carimbava papeis e fazia café e olhava o Facebook e falava com gente chata. Não demore tá? E coloque agasalho. Tá frio, rs.”

Às 20h, na Praça Raposo Tavares, João vê Maria chegando. De roupa preta, tão linda aos olhos dele, ele sabe que o fim da vida pode ser ali mesmo.

– Tão bela que, se eu morrer, satisfeito estarei!

Passam 15 minutos conversando amenidades em meio aos usuários de crack, trabalhadores do McDonalds e da empresa de transporte coletivo municipal. Ela conta a ele sobre como era a vida no sul, a mudança da capital para Maringá, a vontade de entrar no doutorado em Engenharia Química. Tudo tão transitório na vida dela. E pede para que João fala mais sobre a vida dele.

– Prefiro ouvir a falar: até porque adoro tudo o que você fala, Maria.
– Tu és um bobo mesmo – diz ela enquanto sorri.

Às 20h20, Maria diz a João que tem de ir. Logo o marido chega em casa.
– Espero que tenha valido a pena ter vindo aqui.
– Está valendo, João.

Ele lhe dá dois beijinhos no rosto antes de ela subir na 177 – Jardim Ebenezer. Assim que o ônibus deixa a Praça, João acende o primeiro cigarro da noite.

Andando pela Raposo Tavares, preparando-se para ir embora, ele pisa em uma poça. Apaixonado que está, não se importa com o All Star todo molhado. Mesmo não tendo dado um beijo de verdade nela, sente-se o homem mais feliz do mundo ao ver a própria imagem refletida na água.

– Até pareço um diplomata!

Vai embora feliz. Não sabe se ela poderá ser sua, mas sabe de uma coisa: amanhã é sábado – e ele não precisa ir à prefeitura carimbar papéis.