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19 de abril de 2024

UM PRINCÍPIO E DUAS MEDIDAS


Por Rogel Martins Barbosa Publicado 10/10/2019 às 10h00 Atualizado 24/02/2023 às 14h10
 Tempo de leitura estimado: 00:00

Há um princípio muito conhecido, não só da esfera jurídica, mas também da população em geral. Não é incomum ser invocado para que não se estabeleça uma fábrica, para que se impeça uma atividade, para que se discuta o uso de um produto. É o conhecido princípio da precaução.

Para o ministério do meio ambiente do Brasil, conforme página oficial (1)  o princípio da precaução significa “a garantia contra os riscos potenciais que, de acordo com o estado atual do conhecimento, não podem ser ainda identificados”. Esta definição, segundo o ministério do meio ambiente foi absorvida na leitura do princípio 15 da Declaração da Rio 92.

Podemos, para deixar menos vago, usar a definição da Declaração de Wingspread de 1998. Segundo esta declaração (2), “Quando uma atividade representa ameaças de danos ao meio-ambiente ou à saúde humana, medidas de precaução devem ser tomadas, mesmo se algumas relações de causa e efeito não forem plenamente estabelecidas cientificamente.”

Como se pode ver, há um conteúdo amplo e vago, ou para usar uma expressão do jurista Paulo de Bessa Antunes (3), um conteúdo marcadamente lotérico.

Historicamente, o princípio da precaução ficou conhecido após sua inclusão numa nota de rodapé no documento oficial da Conferencia de Estocolmo em 1972. A nota se referia a pesquisas científicas. Roger Scruton (4) nos conta que desde o início nos debates sobre proteção ambiental, os Verdes europeus faziam referência ao Vorsorgeprinzip (princípio da antevisão). Ele acredita que esse princípio já era conhecido na Alemanha pré-guerra e foi invocado na década de 1960, como justificativa genérica de planejamento estatal. Na década de 1970 passa a ser nomeado como Princípio da Precaução, sendo defendido em todos os níveis da política européia como guia regulatório, legislativo e científico. E como sabem, não ficou só na Europa…

Em publicação oficial da União Européia (Comissão Europeia. Compreender as políticas da União Europeia: Ambiente. Luxemburgo, Serviço das Publicações da União Europeia, 2015), reconhece-se que este princípio implica que sejam tidas em conta as consequências ambientais de decisões políticas e de financiamento tomadas no âmbito de outras áreas, como a agricultura, a energia, os transportes, as pescas, o desenvolvimento regional, a investigação, a inovação e a ajuda externa.

Das áreas citadas colocam os transportes e é sobre eles que devemos falar.

Em 2018 a European Environment Agency publicou o Electric vehicles from life cycle and circular economy perspectives ou em tradução livre Ciclo de vida dos veículos elétricos e perspectivas da economia circular. É um relatório muito interessante do qual vamos destacar alguns pontos.

Este relatório fala dos impactos ambientais do veículo elétrico, desde sua fase da escolha da matéria prima, passando por produção, emissão de gases e o fim da vida do produto. Ao final conclui sobre o impacto do carro elétrico nas mudanças climáticas, na saúde humana, no ecossistema e as sinergias possíveis com a economia circular.

Segundo este relatório revela, os veículos elétricos têm um impacto negativo global maior do que os veículos a combustão no quesito toxidade humana, considerando o maior número de minérios que usa e sua necessidade de extração.

No quesito emissão de gases do efeito estufa, o carro elétrico é mais benéfico. No quesito poluição sonora, segundo o estudo, os carros a combustão e elétrico se equivalem ao final, variando conforme baixa ou alta velocidade.

Mas tem um ponto muito importante, a composição dos carros elétricos. Eles precisam ser mais leves para aumentar sua autonomia, sem aumentar tanto sua bateria. Mas estes elementos para diminuir o peso são elementos mais caros e com mineração mais impactante. Exemplo é o alumínio, que em sua produção tem a emissão de gases acidificantes diretos de cloreto de hidrogênio e fluoreto de hidrogênio. Também para produção da própria bateria é eliminado dióxido de enxofre durante a produção de cobre e níquel a partir de minérios de sulfureto.

Também no carro elétrico se usa muito metais de terras raras ou REE. Afirma o relatório que recentes estudos laboratoriais têm revelado o potencial de bioacumulação e toxicidade dos metais de terras raras entre espécies aquáticas. Por exemplo, REE inibem o crescimento de plantas e de certas espécies de algas marinhas, bem como provocam a diminuição da produção de clorofila.

Estes metais de terras raras são particularmente dúcteis, maleáveis e macios. Sua concentração no mundo está na China, que controla este mercado mundial.

O carro para ser leve, como já falamos, substitui materiais tradicionais por materiais que podem resultar em impactos ambientais mais elevados. Por exemplo, componentes de aço do motor eléctrico, a bateria e o corpo do veículo são substituídos por metais como alumínio forjado, de magnésio e de titânio, ou materiais compostos como plástico reforçado com fibra de carbono.

Estes materiais exigem mais energia e têm um potencial de aquecimento global superior na fase de produção do que os materiais mais pesados que eles. Alguns materiais, como os compósitos são mais difícil de reciclar, aumentando o impacto dos processos de fim de vida e necessitando a utilização de matérias-primas virgens.

Por fim o relatório traz uma informação preocupante no que diz respeito a mercado: Em termos de produção e exportações e importações de matérias-primas utilizadas em transmissões de veículos elétricos e eletrônicos, a China é em geral o ator mais importante, respondendo por 70% da oferta mundial de matéria prima crítica (CRM). Matéria prima crítica é considerada aquela que é estrategicamente importante para a economia, mas com alto risco associado ao seu suprimento.

O relatório é muito mais do que escrevi. Sugiro a sua leitura.

Depois de tudo isto que expusemos, para o homem médio, seria mais do que natural, tratar o projeto carro elétrico com parcimônia. Se olharmos para o princípio da precaução, ele recomendaria esperar, pois o ganho não é tão significante ante o risco, risco que não se sabe exatamente a dimensão.

O carro elétrico é muito importante para discussão da mudança climática, já que em tese emite menos gases, ao menos quando carro está em funcionamento. Mas hoje temos uma forte discussão sobre a própria mudança climática. Não há a certeza que se alardeava em tempos passados. Vale a leitura da carta aberta de cientistas brasileiros ao ministro da Ciência e Tecnologia redigida no ano de 2015 sobre aquecimento global com origem antropogênica http://resistir.info/climatologia/carta_aberta_26jan15.html

Por que então não se aplicar o princípio da precaução e analisar melhor o significado do carro elétrico? Ao invés disto, até aqui no Brasil começa a ser imposto. No Paraná foi um governador preso pela Lava Jato que determinou que a concessionária de energia implantasse diversos postos de abastecimento para carros elétricos. Justo no Paraná com uma grande frota de carros verdes movidos a etanol.

É também aqui no Paraná que o prefeito da capital se aliou a uma estatal francesa fabricante de carros para impor o carro elétrico compartilhado.

E já que falamos em França, não podemos nos esquecer que a grande revolta que os franceses vivem hoje tem a ver com a obsessão “macroniana” pelo carro elétrico. Já escrevi artigo Imposto ecológico e os gilet jaunes onde analiso a criação do imposto ecológico com a finalidade de se impor o carro elétrico.

O carro elétrico é uma incerteza ambiental e um possível erro de estratégia de autonomia econômica diante da informação do monopólio chinês sobre matéria prima crítica. Então porque se insiste tanto e com tanta pressa se impõe este modelo? Não seria caso de se aplicar o princípio da precaução?

Lembrando o início, precaução segundo o MMA significa a garantia contra os riscos potenciais que, de acordo com o estado atual do conhecimento, não podem ser ainda identificados. Os riscos parecem que já estão claros.

Ou pela declaração de Wingspread de 1998, que diz quando uma atividade representa ameaças de danos ao meio-ambiente ou à saúde humana, medidas de precaução devem ser tomadas, mesmo se algumas relações de causa e efeito não forem plenamente estabelecidas cientificamente. Parece que há ameaça de danos ao meio ambiente e a saúde pública por conta da política do carro elétrico.

Então, por que não se precaver? Ou nesta loteria a precaução é um peso para muitas medidas? Se os governos querem assumir este risco, não seria caso da busca do consentimento informado da população para que ela possa escolher o risco que quer correr? Governos nunca pagam a conta pelos seus erros, quem sempre paga é o povo governado por eles.

notas

(1)https://www.mma.gov.br/component/k2/item/7512-princ%25C3%25ADpio-da-precau%25C3%25A7%25C3%25A3o

(2) http://www.fgaia.org.br/texts/t-precau.html

(3) Antunes, Paulo de Bessa. Direito ambiental, 12º ed., Lumen Juris Editora, 2010, p. 44

(4) Scruton, Roger. Filosofia Verde. Como pensar seriamente o planeta. É Realizações, SP, 2016, pp. 95-96

 

Rogel Martins Barbosa, advogado, doutor em Direito dos Resíduos, professor do curso História dos Resíduos e autor, entre outras obras, do Política Nacional de Resíduos Sólidos – Guia de orientação para Municípios.

 

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