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18 de abril de 2024

Sete lições do vinho ao coronavírus


Por Marcelo Copello Publicado 02/07/2020 às 12h59 Atualizado 19/10/2022 às 10h19
 Tempo de leitura estimado: 00:00
A cultura do vinho traz ensinamentos úteis neste momento de pandemia

Não, um líquido, o vinho, não ensina lições a um vírus. O que quero dizer com este título é quero dizer: a cultura do vinho ajuda a desenvolver em seus apreciadores qualidades que podem ser valiosas para enfrentar este momento de pandemia. Vejamos quais são:

Paciência 

A paciência é uma das grandes virtudes humanas, que tem como primas a constância, a esperança e a coragem. Toda crise traz em si uma porção de perigos e riscos, que demandam coragem e paciência para sua realização, ingredientes cada vez mais raros na raça humana. 

O vinho nos ensina uma noção de tempo que está se perdendo em nosso mundo imediatista. Os adeptos de Baco sabem que a elaboração de um bom vinho requer tempo (além de esforço, conhecimento e ajuda da natureza). Desde a colheita até o envelhecimento em garrafa, a noção de causa e consequência se dilata e é posta em perspectiva. Ao sacarmos a rolha flagramos o resultado deste demorado e laborioso processo, que pode ter começado décadas antes. 

O vinho nos ensina o saber esperar, às vezes por anos, até que uma garrafa atinja seu auge. Depois, ao servir o vinho, precisamos esperar um pouco mais, até que a temperatura seja a ideal, que os aromas se abram no decanter e na taça, até o momento certo, qualitativo e inesquecível, que valerá por mil anos.

A paciência, ensinada pelo vinho, é fundamental para enfrentar o isolamento social e a crise econômica pós-isolamento que nos ameaça.

Companheirismo

Uma das características de nossa cultura contemporânea, mesmo antes da pandemia, é o isolamento. Apoiado em tecnologia e serviços, ameaçado pela violência e pressionado pela competitividade, tornamo-nos, nos últimos anos “auto-suficientes” nos isolamos. O vinho é o avesso disso. É gregário, une pessoas em torno de uma garrafa e inspira hábitos que caíram em desuso, como o de conversar e partilhar. 

A intolerância entre os povos, agravada por barreiras culturais, tem na mesa seu mais antigo e eficiente campo de entendimento e aproximação. E nela as bebidas cumprem papel fundamental. Historicamente gregárias, são responsáveis pela união entre os homens. Da missa aos bares, ao elevar dos copos a comunhão se estabelece. 

Esta união, camaradagem e companheirismo são qualidades fundamentais para enfrentarmos a crise, que é global, e só com união e ajuda mútua será vencida.

Isolamento

Como dito acima o vinho é por natureza gregário e combate o isolamento. Há, porém, um outro aspecto. As regiões vinícolas são, em sua maioria, geograficamente isoladas dos grandes centros urbanos. Esta característica faz com que se tornem ilhas de segurança em termos de risco de contágio. 

São raros os casos em algumas regiões, como por exemplo o Alentejo, no sul de Portugal. Lá por exemplo, até o fechamento deste texto (20/4) haviam apenas 155 casos, contra mais de 10 mil de outras regiões, sem nenhum óbito. Esta lógica se repete na maioria das regiões vinícolas, como o vale dos vinhedos por exemplo, distante 2 horas de estrada de Porto Alegre. Flores da Cunha, por exemplo, na Serra Gaúcha, só registrou seu primeiro caso de contágio (sem óbito) na quinta-feira passado (16/4). 

Existem exceções, regiões próximas ou parte de centros urbanos, como Maipo (Chile), Bordeaux (França), Hunter (Austrália) e Lisboa (Portugal). A regra, contudo, é: onde há vinhedos há um isolamento natural. A indústria do turismo foi uma das mais afetadas pela pandemia e será uma das últimas a se recuperar. Dentro desta indústria, no entanto, a do enoturismo, será sempre uma das mais seguras opções para os viajantes. 

Hedonismo

A bebida de Baco é um elemento importante de filosofias contemporâneas como o hedonismo (culto ao prazer), esoterismo e do culto à vida saudável. 

O vinho deixou, nas últimas décadas, de ser uma bebida alimentar popular nos países do velho mundo para globalizar-se, associando-se ao prazer hedonista, à sensibilidade, à saúde, sofisticação, cultura, alegria de viver e renovação, representada por cada nova safra. O vinho tornou-se então, um símbolo nesta reconstrução do homem por si mesmo. 

O homem de hoje vive à procura de sensações, de emoção, de experiências. Neste momento, em que não podemos experimentar o mundo lá fora, o vinho é uma forma de viajar sem sair da taça.

Humildade 

Humildade, é das maiores e mais raras qualidades humanas, é a consciência da uma limitação. No vinho, todo conhecimento é limitado, ante sua ilimitada complexidade e infinita diversidade. Costumo dizer que a “degustação às cegas é uma lição de humildade”. Com arrogância, sem humildade e sem a consciência do grande poder do inimigo, no caso um microscópico vírus, jamais venceremos esta batalha. 

Resiliência

Resiliência, persistência, versatilidade, adaptabilidade, superação e evolução. Sem qualidades como estas não superamos nenhuma crise, e tudo isso encontramos exemplificado em profusão na cultura do vinho. 

A começar pelo líquido em si, que traz em suas qualidades intrínsecas a persistência gustativa e aromática, a versatilidade gastronômica, adaptabilidade à diversas situações e estações do ano, e, eventualmente, grande potencial de evoluir, de transmutar-se e supurar-se em seu tempo de guarda em garrafa.

Ser um profissional do vinho exige intenso estudo. Obter títulos como Master of Wine ou Master Sommelier, por exemplo, pode significar anos de estudo aprofundado e sacrifícios, exigindo grande resiliência. E mesmo para envolver-se com o vinho apenas por prazer, estas qualidades ajudarão muito. 

Disrupção

O momento é, em si, disruptivo. O mundo deu uma guinada radical e inesperada. 

Hora de transformar os limões em limonada, de enxergar novos negócios, de desenvolver novas habilidades. A história do vinho é repleta de situações onde a adversidade se tornou vantagem. O maior exemplo é a criação do champagne. Localizada à nordeste de Paris e fria por natureza, a Champagne até o século XVII tinha dificuldade de produzir tintos para competir com os da Borgonha, mais apreciados à época. Porque não então fazer vinhos brancos espumantes a partir das uvas tintas Pinot Noir, que não conseguiam amadurecer o suficiente para se tornar bons vinhos tintos? Este foi um dos pilares do nascimento do champagne, um dos vinhos de maior prestígio e valor do planeta. 

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