Compaixão


Por Passeio

Certa feita, Sua Santidade o Dalai Lama disse que a compaixão não é visceral. É uma afirmação bem simples e espero que você queira pensar um pouco sobre isso comigo. Acho que é sempre melhor quando se pensa em conjunto. Diminuem as chances de pensarmos besteira. E como é fácil pensar besteira, não é mesmo? Pensamos besteira até sem saber, até dormindo pensamos o que não se deve pensar. Parece ser assim nossa natureza. E tudo bem. Não estou disposto a brigar com aquilo que somos. Quero apenas pensar o que podemos ser.

Eu sou uma figura meio vegetal, que não deve servir como base para ninguém. Por isso dou um exemplo terceiro. Um dos meus esportes favoritos é atormentar meus sobrinhos. São quatro meninos e duas meninas, de todas as idades. O menorzinho, de três anos, é atualmente o alvo principal. Cutuco a costela dele de surpresa, desamarro o tênis que acabou de colocar, sirvo apenas um tiquinho de refrigerante quando ele me pede pra encher o copo, enfim, faço coisas que tios parceiros devem fazer. Às vezes ele entende as brincadeiras. Às vezes nem tanto. E acho realmente muito bonito quando ele se enerva comigo. Só não me xinga porque sou seu tio e, principalmente, porque ainda não sabe xingar. Mas, arregala os olhos e diz com o peito cheio e voz intensa: “TIO!!!”. Isso sim, caros e caras leitoras, é visceral. Vem de dentro. Não é pensado. Não é articulado pelo refreiamento do superego. É o indizível que se sente. É sincero.

E a compaixão não é assim. Aprendemos a comer o peixinho que acabamos de pescar justamente por isso, porque não nos importamos com a morte alheia em prol de nosso deleite. Mas se alguém me tira o peixe, aí é certo que vou xingar, porque tirarem as coisas de mim, tenho certeza, não é nada justo.

Só digo isso para que você pense sobre o quanto você tem de compaixão pelos outros, e o quanto os outros têm compaixão por você. Os outros, esses mesmos que julgamos que a nós não são ninguém, eles sempre são o alguém principal da vida de alguém. Mas nem sabemos disso, não nos dispomos a perceber que cada vida é a vida toda, é o que mais importa dentro de uma linha específica da história.
Não se assuste ao sair na rua, mas também, não vá a ela antes de pensar. Existem tantas pessoas por aí que é certo que possamos soar errado aos olhos dos outros. Por isso, esteja alerta, pois quem é errado – mesmo que seja apenas aos olhos de alguém – deve ter que pagar.

Agora me diga: se a compaixão não é visceral, de onde é que ela vem? Ao que tudo indica só há uma forma de colocá-la em nossa mente e em nosso coração: treinando. O caminho é treinar a compaixão como se todos e cada um fossem humanos de verdade, pois o caso é esse: realmente o são!

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