O futuro chegou de supetão


Por Palavras de Esperança – Dom Anuar Battisti

Fomos surpreendidos pelo tempo sem ter tempo de saber o que estava chegando, de onde vem e para onde vai, quanto tempo iria ficar, o que deveríamos fazer para sair sãos e salvos dessa onda que chegou sem avisar. De um momento para o outro, estávamos todos na mesmo situação de vulnerabilidade total. Não importava absolutamente nada do que tínhamos como riqueza ou pobreza, dos planos e projetos, das situações mais diversas possíveis, tudo estava sob o comando de uma calamidade. A vida nos levou a esquecer o tempo do relógio, do cronômetro. A resposta foi o silêncio, incerteza, precariedade, fragilidade, e nasceu no coração de todos uma ladainha sem fim de perguntas.

Essa experiência leva a olhar a tempestade acalmada na travessia do mar, quando os discípulos vendo o Mestre na barca gritam: “Senhor não te importas que pereçamos” (Mt 4,35). Na tempestade, antes do grito de socorro, surge um montão de perguntas. Realmente é o tempo de continuar perguntando mesmo sem ter respostas. No começo dessa calamidade, uma pessoa dizia: “Não consigo rezar”! Surpreendidos parece que até o fôlego se vai, a respiração para. Depois se redescobre a necessidade de buscar respostas daquele vazio, no silêncio da voz que se repetia mil vezes: “fique em casa”. Foi ali que a luz veio e mostrou a casa, a família, os filhos, a oração, o aconchego, a ternura, a beleza da vida que até então era engolida pelo tempo cronometrado da vida louca do materialismo.

Sem querer, redescobriu-se um tempo especial de graça, para recriar, ressignificar, modelar o tempo da vida em novo recomeço, onde o tempo passado não pode ser repetido pura e simplesmente, sem que o tempo presente ofereça uma nova luz para iluminar o tempo futuro. A vida não se esgota no tempo presente. É preciso dialogar com o futuro de uma forma diferente.

Estamos vivendo uma nova etapa da história e necessariamente precisamos recorrer ao sentido sobrenatural da vida humana, dar as mãos à espiritualidade, cuja luz é capaz de afugentar todo medo, toda insegurança. Esta é a hora da escuta, do silêncio, da contemplação, para ouvir a voz do Deus-Pai que nunca recuou o pé, pelo contrário. Esta é a hora de redescobrir o rosto amoroso, a ternura, a misericórdia, a proximidade do Pai-Deus comprometido com o ser humano, principalmente na hora da dor e do sofrimento. Deus não recuou o pé da história. Quem deve recuar no tempo presente e continuar fazendo perguntas, e não cansar de perguntar sobre o presente futuro, somos nós.

As respostas não estão prontas e nãos se encontram na internet, muito menos em previsões marcadas de adivinhos e profetismos de fim dos tempos. As respostas vem da capacidade de escuta do Deus do tempo que falou continua falar.

Não é um parêntesis que estamos vivendo para voltar tudo como era antes. Estamos em outra época, tempo novo, lugar de novas experiências. Em tempos que parecem que perdemos tudo, em um ano que foi “adiado”, não posso adiar o coração para outro século. É hora de olhar os lírios do campo, dizia uma mística espanhola. Lírios dos médicos, enfermeiros, funcionários e administradores, arriscando a vida para salvar vidas. Lírios de solidariedade, de atenção aos idosos, daqueles que mais sofrem. Enfim, é tempo de dobrar os joelhos na força invencível da oração. Assim seremos iluminados para dar passos novos, novos caminhos, redescobrir os valores da vida em comunidade. Como dizia o Cardeal Tolentino: “Esta é a hora de buscar a santidade da porta ao lado”. O susto do presente, colocou o futuro em nossas mãos.

Dom Anuar Battisti é Arcebispo Emérito de Maringá
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