Oração


Por Elton Tada / Passeio

– Oi, sou seu de novo… Não sei qual a regra quando se ora. Não sei se tenho que agradecer primeiro, pra Deus me achar bonzinho e digno de fazer algum pedido. Não sei se já posso chegar reclamando ou se devo encher meu coração de alegria antes de falar qualquer coisa, mesmo que a alegria não seja meu sentimento preferido. Sei que tenho que falar com alguém do lado divino. Às vezes esquecemos que os deuses estão nos assistindo, sentados em seus tronos, em seus reinos muito muito distantes.


Desde criança que eu finjo saber como se ora, finjo entender por que preciso fechar meus olhos e juntar minhas para falar algo tão óbvio, para pedir o que qualquer deus sabe. Se bem que quando criança eu fui ensinado a pedir a Deus vitória e prosperidade, e hoje essas são coisas que eu realmente decidi que não quero. Eu abracei uma vida muito humana, e só espero não perder a poesia da vida e nem me acostumar com a ideia do sofrimento do mundo.


O dia em que meu coração se endurecer a ponto de eu não sofrer o sofrimento do meu igual, não desejo mais viver. Por favor, que a vida não persista por um momento depois que se esfriar o que há de mais humano em mim. Quando eu me calar diante da injustiça, quando eu aceitar a fome, a dor, a morte, por favor, que eu não viva mais.


Sinceramente, nunca acreditei que Deus fosse capaz de mandar alguém para o inferno. Nunca acreditei que existisse algum tipo de predestinação. Um Deus que não acolha TODA sua criação em suas entranhas pela eternidade das eternidades, simplesmente não é um Deus.


E eu consigo acreditar que os homens tenham tornado o Brasil essa bacia de pobres sendo pisados por meia dúzia de senhores do engenho, extraindo de seus corpos cansados o fruto da videira – “Pai, afasta de mim esse cálice!”. Mas, não é possível que algum deus esteja vendo e aceitando essa situação que nunca passa. Maldito seja o dia em que os primeiros homens de bem pisaram nessas terras, estupraram nossas índias mães ancestrais e ergueram um cruzeiro na base do chicote.


Haja caipirinha e bossa nova para não declararmos que esse negócio já deu errado e que não há mais esperança. Passa a régua, apaga a luz e fecha a porta. Acho que podíamos plantar um canteiro de espada de São Jorge em toda a costa brasileira, mas logo ali na areia, que é pra proteger bem protegido. Quem sabe colocar um raminho de arruda na máscara de cada trabalhador que está passando a pandemia chacoalhando no ônibus. Sei lá. Me perdi.


Enfim, que seja feita a sua vontade assim na terra como no céu. Mas, de verdade. Não acredito que seja essa sua vontade, não. Se for, me descuple, mas podia desejar um mundo melhorzinho, né.
– Amem.

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