Nós usamos cookies para melhorar a sua experiência em nosso site, personalizar publicidade e recomendar conteúdo de seu interesse. Ao acessar nosso portal, você concorda com o uso dessa tecnologia. Saiba mais em nossa Política de Privacidade.

08 de dezembro de 2025

A ALMA DO NEGÓCIO


Por Elton Telles Publicado 16/11/2019 às 21h43 Atualizado 25/02/2023 às 11h01
Ouvir: 00:00

Conhecida pela tradição na manufatura de carros, desde linhas popular até deluxe, a milionária Ford Motor Company assume produção em larga escala de modelos de automóveis, visando obviamente o lucro pela quantidade de veículos vendidos. Esta sempre foi a filosofia da fábrica, sem dúvidas uma das mais poderosas do setor automotivo no mundo. Em meados da década de 1960, movida por provocações advindas da rival italiana Ferrari, a Ford resolve adentrar no ramo de corridas automobilísticas. Seu proprietário na época, o herdeiro Henry Ford II, decide colocar as mãos no bolso e investir rios de dinheiro em uma equipe profissional responsável por customizar e pilotar carros esportivos para correr nas pistas. E aí, entram em cena os personagens centrais da história: o designer automotivo Carroll Shelby e o célebre piloto Ken Miles.

Shelby e Miles já haviam trabalhado juntos, mas reforçam os laços quando defendem a “novata” Ford nas pistas dos autódromos mundo afora, inclusive no Le Mans de 1966, na França, corrida esta que é reencenada no envolvente clímax de “Ford vs Ferrari”. O filme percorre com riqueza nos detalhes os bastidores da entrada da Ford no cenário automobilístico, equilibrando-se com passagens pessoais dos protagonistas, com enfoque no relacionamento familiar de Miles com a esposa benevolente e o filho pequeno, que o considera um herói. Felizmente, essa sacada sentimental enriquece o roteiro, que se revela menos sobre máquinas, e mais sobre relações humanas. A amizade que refloresce entre os dois homens, baseada no respeito e confiança, é o motor de “Ford vs Ferrari”.

A dinâmica entre os atores é essencial para alcançar essa tonalidade, desde o aproveitamento do timing até a segurança com que defendem seus personagens individualmente. Não há dúvidas de que Christian Bale é um dos atores mais interessantes em atividade no cinema hollywoodiano, e aqui, entrega mais uma atuação centrada, apropriando-se da simplicidade de Miles para acessar um nível de emotividade que desarma o espectador por completo. Na mesma medida, Bale é capaz de desprender uma energia muito natural, sobretudo nas encenações de corrida. Sua interpretação dócil, respaldada em um script generoso, acaba sendo uma grata homenagem a um dos pilotos mais injustiçados do automobilismo.

No papel de Shelby, Matt Damon não fica muito atrás. O ator exala um espírito de liderança muito crível do personagem quando precisa, por exemplo, confrontar os executivos da Ford, e se mostra habilidoso em dosar a autoridade necessária com momentos mais contidos, que requerem desenvoltura e expressividade. A comovente cena final é ótima para ilustrar o contraste de sua composição.

Ainda sobre o elenco, Tracy Letts encontra o tom certo para compor seu Henry Ford II, variando entre a arrogância e a caricatura criativa, denunciada em uma ótima sequência em que desaba de chorar durante o teste de um de seus carros. Já a atriz Caitriona Balfe, como a esposa de Miles, faz bom contrapeso para toda a testosterona do filme, e mesmo não tendo tantas oportunidades, ela se destaca em uma cena absurda e hilária em que tenta arrancar verdades do marido.

Na condução do longa, o diretor James Mangold eleva a potência do que poderia ser um drama banal nivelado pelo esporte e realiza um trabalho competente, nunca deixando o grau de adrenalina diminuir, seja nos momentos mais burocráticos em que a história se desenrola ou nas pujantes sequências de corrida. “Ford vs Ferrari” não demonstra sinais de cansaço em seus 150 minutos de duração, graças ao domínio narrativo de Mangold e o ritmo assertivo empregado no desenvolvimento da trama. Embora previsível, o filme se beneficia de uma estrutura clássica para atingir o público, que se identifica com os elementos familiares, mas que aqui são engrandecidos e administrados com eficiência pela direção. Ademais, emoldurado em uma vibe old school, é inevitável ressaltar o curioso paradoxo de uma produção que discorre sobre tecnologia, porém tem um acabamento artesanal e convidativo.

“Ford vs Ferrari” é primoroso no que diz respeito aos atributos técnicos. A ousadia dos ângulos captados por Mangold ganham ritmo vibrante nas mãos dos montadores Michael McCusker e Andrew Buckland. A cadência e as transições inteligentes não ficam restritas às cenas enérgicas ambientadas no interior das pistas e asseveram absoluta vitalidade e precisão ao andamento da história, que nunca soa entediante.

O desenho de som é outro espetáculo por ajustar com clareza as entradas sonoras, sobretudo os efeitos de objetos físicos adicionados na pós-produção com a trilha sonora impecável da dupla Marco Beltrami e Buck Sanders, que injeta ânimo e redimensiona a projeção a outro nível de intensidade. Também merece destaque a iluminação assinada pelo grego Phedon Papamichael pela fidelidade às condições possíveis daquela época – em vez da fácil saída de usar drones, por exemplo – e o realce da aparência vintage, um dos principais charmes do filme.

Um aspecto interessante e que atende perfeitamente o conflito do enredo são os bons embates de Shelby e Miles com os membros diretores da Ford, preocupados com a ativação e preservação da marca. No entanto, para um roteiro engenhoso, é decepcionante observar como o antagonista de Josh Lucas, um dos executivos da companhia, é reduzido a vilão de novela com o claro intuito de sublinhar as contradições entre os personagens. Por vezes, essa bobagem desnecessária serve apenas para distrair e emperra a boa resolução da trama.

Pequenas, porém notáveis derrapagens à parte, “Ford vs Ferrari” é um eficiente recorte histórico de um emblemático episódio do automobilismo, capaz de deixar o espectador empolgado na beira da cadeira e só o soltar quando cruzar a linha de chegada. Mas mais do que isso, trata-se de um belo conto de amizade. Somando as partes, é um entretenimento adulto bem calibrado e de primeira linha.

Pauta do Leitor

Aconteceu algo e quer compartilhar?
Envie para nós!

WhatsApp da Redação
Elton Telles

Cinema e divagações, por Elton Telles.

Geral

Homem é baleado e preso suspeito de tentar invadir hospital para matar mulher


Um homem foi preso na manhã do último domingo, 7, suspeito de tentar invadir um hospital para matar uma mulher,…


Um homem foi preso na manhã do último domingo, 7, suspeito de tentar invadir um hospital para matar uma mulher,…

Geral

Lula sanciona lei que aumenta para até 40 anos a pena para estupro de vulneráveis


O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou nesta segunda-feira, 8, a lei que endurece as penas para crimes…


O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sancionou nesta segunda-feira, 8, a lei que endurece as penas para crimes…

Geral

Como funciona a nova lista dos criminosos mais procurados do Brasil


O ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, lançou nesta segunda-feira, 8, uma nova lista com a relação dos…


O ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, lançou nesta segunda-feira, 8, uma nova lista com a relação dos…