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19 de maio de 2024

A redescoberta das riquezas do café pelos maringaenses, agora como arte


Por Marcos Cordiolli Publicado 15/06/2022 às 18h20 Atualizado 19/10/2022 às 10h41
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O café foi o ouro verde do norte do Paraná e um dos motores impulsionadores da fundação, do desenvolvimento e da riqueza de Maringá. As geadas e as dinâmicas do mercado cafeeiro mudaram aquela geografia econômica. O café, no entanto, permaneceu como importante arquétipo da identidade da cidade e de nossa população. Os símbolos da antiga civilização do plantio do café estão tatuados por toda nossa mancha urbana.

A cidade, agora, vive a redescoberta do café, mas como arte na gastronomia, construindo uma nova economia que será – em breve – um forte ativo turístico da cidade.

Os baristas e as cafeterias, espalhadas pela cidade, apresentam-se com habilidades qualificadas para tratar os grãos, fazer a moagem e operar diversos utensílios para “passar” o café. O “passar” o café foi – de fato – convertido em arte, com criatividades diversas: desde o afinado controle da temperatura da água até os métodos de derramá-la sobre o pó (do café). As xícaras, copos e canecas – agora – são depositárias de pequenas preciosidades. Estas novas artesanias, no entanto, vão além ao produzir o café preto.

Os baristas, também, tornaram-se experts numa bela – porém efêmera – arte: a de esculpir com o leite branco sobre o café preto, pequenas figuras para deleite – quase – que exclusivo do consumidor. A latte art, assim nomeada esta nova artesania, já foi alçada ao status de arte, com mostras e concorridíssimos concursos. Os atos relacionados ao café converteram-se em práticas laureadas na classe das artes da gastronomia, que carecem de uma musa, mas, que, no entanto, produzem obras requintadas para paladares, olfatos e a olhares…

Na segunda edição do Maringá Coffee Week, neste outono do quase pós pandemia, eu, como a cidade, fomos convidados a conhecer estas artes do café nesta nova economia emergente de Maringá. Duas dezenas de cafeterias e um punhado de eventos desvelaram uma dinâmica gastronômica ímpar.

Barista serviu mais de duzentas dozes de café no DROPS MCW no Paço Municipal. A proposta de servir café especiais para o população. Ações como esta foram realizadas em outros pontos da cidade durante o Maringá Coffee Week de 2022.

Cafés coados ou espremidos em máquina, de diversas procedências, utilizando técnicas quase que exclusivas de cada barista mergulharam as cafeterias num universo de aromas indescritível. A magia dos leites vaporizados impulsionaram para outro patamar a antiga paixão da terra do café – a do café com leite – agora latte art. Aliás, este foi o propósito de um dos eventos, que assisti e destaco, a aula-demonstração de art latte coffee (no Amiste Café), que além de encantar os olhos estimulou o paladar, com diversos baristas e aprendizes, preparando o leite om diferentes pontos de vaporização para os cafés fortes extraídos de máquinas habilmente reguladas.

Apresentação de barita na oficina de latte art no Amiste Café.

Para deleite de muitos apreciadores (e o desespero de alguns puristas), diversos blends foram servidos assim como múltiplos “diálogos” com outras bebidas. E, incrivelmente, todos eles me pareceram guiados por sutis ações arquetípicas.

Apreciamos – a Rosana e eu – um drink de café preparado por uma jovem bargirl, que desempenhou uma entusiasmada coreografia que não era apenas atrativo, mas técnica para mesclar o café, o melado, a cachaça e o rum. Durante a elaboração deste coquetel, eu fui cooptado pela imagem de um mapa arquetípico que promovia o casamento dos derivados da cana-de-açúcar com o café. O melado, o rum e a cachaça são produtos originários da grande região canavieira de escravidão africana que uniu o Nordeste brasileiro com o Caribe – formando uma nação fatiada entre diversas potências europeias, por mais de três séculos. Abaixo, ao sul desta nação afro-açucareira estendeu-se uma outra região de diversidade de povos que se mesclaram na civilização do café. Ação arquetípica deste coquetel não parou apenas nos dois conjuntos de ingredientes.

A elegância do drink reunindo o café ao melado, ao rum e a cachaça.

A bargirl realizou a nossa frente uma animada coreografia com duas coqueteleiras que lembrava fortemente as danças e os ritmos africanos. O momento seguinte, o coquetel foi servido em pequenos copos, num ritual das terras do café que lembrava o serviço dos antigos bares que serviam café em copo de cachaça. A bargil, creio que inconscientemente, produziu uma singela ode a esta conexão arquetípica… Uma viagem de mesclas sabores e conexões de identidade no balcão de um dos bares do final da avenida Herval em plena noite de sexta-feira (no Bloodberry).

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O suco de laranja – com muito gelo – recebeu uma dose de café espresso recém-retirado da máquina. (No mundo do café gourmet o expresso é grafado com “s” ao invés do “x” como em italiano, em homenagem aqueles que desenvolveram a tecnologia). Desta vez, numa cafeteria da Rua Neo Alves Martins, mas embarcada em outra mensagem arquetípica: a da transição da economia do noroeste paulista dos anos 1970, que substitui em poucas décadas os seus cafezais por laranjais. Lembro dos relatos do meu pai – quase com um ponto de tristeza – sobre como os mares de cafezais foram substituídos pelos coloridos laranjais paulistas. Ambos os produtos, impulsionados pelo empreendedorismo paulista, sucederam-se no desjejum da população dos Estados Unidos e manteve o fluir da riqueza desta região agrícola. O suco de laranja mais café – surpreendeu-me de cara, mas me cativou pelo simbólico, no entanto, a agrado maior veio pela profusão de sabores, aromas e o visual da bebida. Lembrei-me das milhares de vezes que tive sobre a mesa do lanche da manhã uma xícara de café e um copo de suco de laranja, mas jamais ousei misturá-los. Uma barista o fez para o meu deleite, e para demonstrar – como se preciso fosse – que a criatividade e a arte da gastronomia estão diante dos olhos de todos, mas apenas alguns o fazem e na forma de pequenas revoluções. Pequenas revoluções que tanto nos encantam e nos transformam.

Os acompanhamentos para o café do Maringá Coffee Week também são dignos de lavramentos neste mundo local das artes gastronômicas. O café puro – coado ou espresso, ou no latte, ou ainda com suco de laranja, sempre – muito bem – acompanhado. Os pães fermentados são sempre uma parceria certeira para o café. Várias das cafeterias da cidade somaram-se também a outra onda de renovação gastronômica contemporânea: a da fermentação longa associada as alquimias dos ingredientes, em especial dos grãos e farinhas. Eu vou me limitar a afirmar que todos os que provei foram aprovados e com louvor.

Nesta segunda edição do Maringá Café Week, no entanto, preciso lembrar ao menos três belos experimentos: o croissant maravilhoso (Cafeteria Fica Leve), uma versão da Bruschetta (toast de queijo, tomate-cereja, azeitonas pretas e manjericão do Super Flow Coffee) e as mini panquecas com mel de flor de laranjeiras (Sésamo Café). Todos – gritantemente – bons que ampliaram a magia do paladar- aroma e visão – do café. (Lembro, que nesta lista estão apenas as cafeterias que a Rosana e eu conseguimos frequentar, as demais ainda fico em débito). No Fica Leve, depois do croissant – absolutamente perfeito – ainda pedi uma fatia do brioche da casa, para discretamente, mergulhar no café e voltar a uma tradição da infância e da colonização: a de potiar o pão no café… (Alias, agora reconheço que senti falta de uma cafeteria que servisse uma fatia de queijo branco para potiar no café preto…).

As cafeterias, como as cervejarias e barbearias, espalham-se rapidamente por diversos pontos da cidade, agindo com indutores de outros investimentos comerciais e imobiliários, numa evidente ação de acupuntura urbana. O Aro 29 Café, por exemplo, foi criado dentro de uma bicicletaria na Rua Neo Alves Martins. O Fica Leve na Zona 7 uma rua improvável para uma notável cafeteria… São vetores para atrair outros empreendimentos nos seus respectivos entornos.

A explosão de cores e sabores do café com suco de laranja da Aro29. Mistura que nos remete a transição dos cafezais para os laranjais do interior de São Paulo e promove o casamento das duas bebidas (quase) presentes no café da manhã do Brasil e dos EUA.

Os baristas e as cafeterias retomaram o elo perdido da cidade com o café. A cidade que um dia foi o fim da picada na boca do sertão fez do plantio do café o seu passaporte para ser a melhor cidade para se viver no Brasil e constituir uma economia sustentável e cada vez mais internacionalizada. Agora, que Maringá está na vanguarda das cidades brasileiras e da economia paranaense, as cafeterias, as cervejarias, os restaurantes autorais são agentes ativos de uma nova trilha que fará da cidade que nasceu na Boca do Sertão se converta numa cidade cosmopolita, cumprindo a vocação dos seus pioneiros que vieram de três continentes para cá ensaiar o futuro.

O charme e a qualidade de atendimento das cafeterias de Maringá são notáveis.
SOBRE O AUTOR: Marcos Cordiolli é maringaense que imigrou na adolescência para Curitiba e de lá para outras cidades. Teve, no entanto, a felicidade de voltar a morar na sua quinta década de vida em Maringá. Agora, como um flanner, está redescobrindo a cidade e seus encantos. Foi encantado pelo café na casa da avó paterna que produzia blends com grãos de diversas origens que ela mesma torrava e passava em grandes bules que permaneciam o dia todo sobre o fogão a lenha espalhando aromas por toda a casa.
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Foto da capa: Ilustrativa/Pixabay

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