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25 de abril de 2024

O QUE QUEREMOS SER? ROMANOS OU HEBREUS?


Por Rogel Martins Barbosa Publicado 01/10/2019 às 10h00 Atualizado 24/02/2023 às 11h04
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Quando criei o curso História dos Resíduos não foi por acaso. A intenção sempre foi a de demonstrar como chegamos à nossa realidade, a primeira providencia para falar sobre um assunto. Não é possível discussão mínima sobre o tema resíduos sem descortinarmos o passado. Por isto empreendi este esforço, porque me assusto com o número de pessoas que são especialistas e que desconhecem o tema. Especialistas de uma lei que não sabem como nasceu, nem de onde vem o pensamento que defendem.

Roma não foi feita em um dia, diz o provérbio do medievo, mas a nossa geração acha que pode construir tudo do zero, ignorando a longa jornada do tempo sobre um determinado assunto.

Dalrymple, parafraseando alguém mais famoso num tema mais genérico, foi muito feliz quando escreveu, “mas tudo que é necessário para os porcalhões triunfarem é que os asseados não façam nada.”

Eu pergunto: como os asseados farão alguma coisa se não sabem como as coisas acabaram por chegar aonde chegaram? Se não sabem como os porcalhões agiram desde as primeiras noites do tempo, como combaterão os porcalhões contemporâneos?

Vejo o meu amado Brasil. Em 1924 havia estações zimotérmicas em São Paulo, onde o resíduo orgânico era processado e vendido como composto para chacareiros. O Brasil já possuiu diversos incineradores para resíduos no século passado. Qual a razão de tudo isto ter sido abandonado? De repente, uma nova geração, que desconhece tudo isto, começa a falar disto novamente, mas não tem idéia da razão do fracasso das primeiras iniciativas, talvez porque não saiba que existiram estas iniciativas.

A luta pela solução do lixo é uma luta maior, é uma luta contra a ignorância. Isto não é um ataque, é um fato. E quando constatado um fato, temos o primeiro passo para mudar uma realidade inconveniente. Henri Bérgson disse que ordem é o que nos convém. A atual ordem no trato com os resíduos não nos convém, o que revela que estamos em desordem e precisamos nos reordenar.

Como iremos nos reordenar? Pesquisando. Estudando história e estudando o ramo do direito especifico, conhecido como Direito dos Resíduos.

Quem não conhece nem um nem o outro, desculpe-me, apenas com a lei da Política Nacional de Resíduos Sólidos não achará a ordem que nos convém.

Um ponto importante de reflexão: se temos um congresso tão imperfeito – fato notório – seja pelo comportamento, seja pelo conhecimento, seja pelas intenções, como poderemos ter uma boa lei produzida por tamanha imperfeição?

Foi Jesus Cristo quem disse em Mateus, 7:18, que “Não pode a árvore boa dar maus frutos; nem a árvore má dar frutos bons”. Não será neste momento que vou falar sobre esta lei e suas imperfeições, como determinar tecnologia para o tratamento, descuidando que não caberia a ela tocar no tema. Também teve acertos e não poucos. Mas não foi perfeita.

Eu sei também que Cristo falou logo após o versículo que citei: “Toda a árvore que não dá bom fruto corta-se e lança-se no fogo.” E sei que a sociedade está à beira de cumprir o divino ensinamento, embora o congresso nem desconfie.

Mas voltando ao nosso caso, que sociedade queremos ser em relação ao lixo? Tenho dois exemplos históricos que posso contar.

O primeiro deles é o exemplo hebreu. Este povo que, depois de escravizado, saiu do Egito numa jornada épica de 40 anos pelo deserto, tinha Moisés como profeta e Deus por seu Rei. Ainda no êxodo, os hebreus receberam por Moisés diversos mandamentos, todos relacionados com sua fé, mas que implicavam em diversas condutas humanas, dentre as quais condutas de higiene e limpeza.

Dentre estes mandamentos ou preceitos, constam alguns sobre higiene. Lendo o livro de Deuteronômio, capítulo 23, dos versos 10 a 14, podemos entender o mando direto de Deus sobre higiene básica e disposição de resíduos. Está escrito: “10. Quando entre ti houver alguém que, por algum acidente noturno, não estiver limpo, sairá fora do arraial; não entrará no meio dele. 11. Porém será que, declinando a tarde, se lavará em água; e, em se pondo o sol, entrará no meio do arraial. 12. Também terás um lugar fora do arraial, para onde sairás. 13. E entre as tuas armas terás uma pá; e será que, quando estiveres assentado, fora, então com ela cavarás e, virando-te, cobrirás o que defecaste. 14. Porquanto o Senhor teu Deus anda no meio de teu arraial, para te livrar, e entregar a ti os teus inimigos; pelo que o teu arraial será santo, para que ele não veja coisa feia em ti, e se aparte de ti. ”


Ora, enquanto Israel serviu a Deus, estes preceitos foram seguidos. Assim, as coisas tidas como imundas, sempre foram lançadas fora do arraial.


O vale de Geena ou Hinom foi usado como local de destinação final de resíduos, com a sua disposição e queima.

O nome Geena é a transliteração do hebraico “Gehinnom”, “vale do filho de Hinom”, mas que também pode ser traduzido como um sinônimo para inferno. Este vale é uma depressão profunda situada ao sul de Jerusalém.

Era neste lugar, quando Israel apostatou da fé, que se fez o culto a Moloque, a quem os reis Acaz e Manassés sacrificaram seus filhos. Josias, o rei reformador, fez dele lugar impuro, onde era queimado lixo e lançados os cadáveres.

Recentes escavações ocorridas nos anos de 2013 e 2014, quando foi encontrado em Israel, nas encostas do vale de Nahal Kidron, fora dos muros de Jerusalém, aterro sanitário com mais de 2000 anos de existência, que foi utilizado por mais de 70 anos e tinha atingido uma cota de 70 metros de altura. Sua operação era muito parecida com a dos aterros modernos, em que há disposição do resíduo e recobrimento com terra.

Segundo o arqueólogo Yuval Gadot, da universidade de Tel Aviv, que dirigiu as escavações que revelaram o aterro, a disposição de resíduos fora da cidade tem a ver com ser considerado coisa impura e pela lei mosaica, o impuro não poderia ficar no arraial, confirmando o que já falamos há pouco.

Ainda segundo Gadot, “parece que havia um mecanismo que limpava as ruas, as casas e se usavam burros para recolher e tirar o lixo” em Jerusalém. Mas, infelizmente, ele não nos detalha o que seria este mecanismo.

Os romanos foram gigantes em obras públicas. Primeiro em captação de água com os famosos aquedutos e as fontes públicas para dessedentação da população. Também chama a atenção para os banhos públicos.

Mas como toda água que entra, depois de servir, deve sair, eles fizeram a máxima obra de saneamento da antiguidade, a cloaca máxima, cuja construção se deu início no sec. VI A.C.

Para se ter uma idéia da grandeza desta obra, até os dias de hoje ela ainda permanece em parte na moderna Roma. Ela, em seu esplendor, era navegável, com a lembrança que por três vezes o cônsul romano Marcos Vipsânio Agripa a inspecionou de barco.

Mas a grande cloaca era uma obra gigante que cortava Roma apenas em um sentido. Sua limpeza era feita por prisioneiros de guerra e apenados. A maioria das casas romanas não estava ligada à cloaca, somente as termas e os próprios públicos mais próximos.

Com o imperador Lívio criou-se a cloacarium, que era uma taxa que se pagava para construírem canais particulares para os romanos ligarem à cloaca pública.

Nas casas de aluguel, em especial nas insulaes não havia banheiro em seus diversos andares e era comum, mesmo com proibição legal, jogar água servida, fezes e resíduos pelas janelas nas ruas romanas.

De regra os resíduos, (fezes, urina e orgânicos) eram descartados em tonéis, que eram retirados por rapinantes ou estercoreiros que depositavam este material como adubo nos campos ao redor de Roma.

Embora esplendorosa em obras, Roma não cheirava bem. Lewis Mumford, em “A cidade na história”, em sutil reconhecimento e ao mesmo tempo crítica ao sistema cloacal, afirmou: “todas as grandezas serão aumentadas em Roma: não menos as grandezas da mesquinhez e do mal. Apenas um símbolo pode fazer justiça ao conteúdo daquela vida: uma fossa aberta”.

Pois bem, falamos de dois povos. Um, os hebreus, que eram asseados, nos termos de Theodore Dalrymple, por convicção, por crença, por obediência, operavam bem os resíduos. Outro, os romanos, construíram aquedutos gigantes, construíram a magnifica cloaca, cobraram por seu uso, mas não resolveram o problema dos resíduos. Legislaram para impedir que se jogasse lixo nas ruas pelas janelas, mas a lei não resolveu. Todos caminhos levavam a Roma, mas Roma não levava asseio para todos os caminhos.

E o que nós hoje queremos ser? Construtores de obras públicas como os romanos? Ou queremos ter uma consciência acima de qualquer lei como os hebreus. Queremos mais lei para não cumprir, ou queremos agir bem independente de lei?

Porcalhões ou asseados? O que queremos ser? Romanos ou hebreus? Fazer grandes obras ou ter grandes atitudes?

Rogel Martins Barbosa, advogado, doutor em Direito dos Resíduos, professor do curso História dos Resíduos e autor, entre outras obras do Politica Nacional de Resíduos Sólidos Urbanos – Guia de Orientação para Municípios.

 

 

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