Setor de economia digital critica tributária e vê reforma presa a mundo analógico


Por Agência Estado

Entre os diversos setores queixosos por não estarem contemplados pela reforma tributária, estão empresas de tecnologia. Especialistas em desenvolvimento de aplicativos e plataformas digitais por onde passam grandes volumes de dinheiro, estas empresas se ressentem da falta de incentivos dados a outros segmentos. Pesquisadores ouvidos pelo Broadcast (sistema de notícias em tempo real do Grupo Estado) endossam a queixa, já que a economia digital ganhará cada vez mais espaço em um momento em que o próprio Banco Central tem posto em curso uma agenda de digitalização até da moeda.

Professora de Direito Tributário e dos MBAs da USP/Esalq, Mackenzie e FECAP, a fundadora da consultoria MR Educação Corporativa e Gestão Empresarial, Márcia Rossi, diz que as plataformas digitais têm redução na base de cálculo dos impostos, de até 60%, só quando prestam serviços ao governo. E essa particularidade é uma exceção.

“Penso que temos um desafio porque o texto vigente é todo voltado para o mundo físico”, argumenta Rossi. O problema, de acordo com ela, começa pelo conceitual, na não diferenciação entre plataforma e serviço digital.

Para a professora, essa situação dificulta a preparação das empresas para atender às demandas que o novo sistema tributário impõe, bem como a entrada de empresas de fora que queiram investir no País. Só para se adequarem às novas demandas digitais terão de investir. Isso sem contar que terão de manter a estrutura atual, já que o País vai conviver com dois sistemas tributários ao mesmo tempo até o término da transição do atual para o novo arranjo, de 2026 a 2033.

“Isso envolve custo de transação às empresas nesta transição”, afirma Rossi, reiterando que a falta de foco na economia digital incorre na falta de incentivos às empresas que aqui já operam àquelas queiram investir no País.

O vice-presidente de Relações Institucionais da Associação Brasileira de Automação para o Comércio (Afrac), Edgard de Castro, concorda que a reforma foca predominantemente na economia física. Mas, para ele, isso não quer dizer que a economia digital foi completamente negligenciada pela reforma.

“Até porque, os novos tributos, IBS e a CBS, regra geral, incidirão sobre uma base ampla de bens, serviços, tributando todas as utilidades destinadas ao consumo em todas as etapas de produção e comercialização, independentemente de ser economia física ou digital”, diz Castro.

Desafios

Para Rossi, a reforma tributária é necessária, mas precisa de algumas adaptações. “Há grupos de trabalho discutindo sobre quais serão as problemáticas e como isso se dará. Por isso que estão acontecendo vários debates entre setores”, avalia.

O split payment (pagamento parcelado), segundo Rossi, é um desses desafios. Os especialistas entendem que a reforma precisa melhorar muito a questão dos créditos e da não cumulatividade. A professora, que integra um grupo de trabalho que busca respostas às indagações sobre como isso repercutirá nos setores, diz ser preciso fazer todo um mapeamento via sistema para fazer este cálculo.

“Tem também a questão da responsabilidade solidária. Quem responderá a uma fiscalização, quem pagará o imposto? Hoje temos plataformas que funcionam como um hub; oferecem seguros, vendas e meio de pagamentos. Trabalham com vários players, mas com quem fica a responsabilidade? O PL fala em responsabilidade solidária, mas nos modelos de outros países não existe essa atribuição. Temos de trabalhar bem nisso e deixar bem claro para não parecer que estamos voltando ao sistema atual”, ponderou.

Castro afirma que a Afrac tem trabalhado para garantir que a legislação contemple as necessidades específicas do setor de tecnologia, promovendo um ambiente de negócios mais justo e competitivo para as plataformas digitais e serviços tecnológicos.

“Embora o split payment possa ser considerado uma evolução tecnológica na apuração e recolhimento dos tributos, esse ponto de responsabilidade solidária tem sido bastante debatido e objeto de pleitos da maioria das entidades de comércio e serviços por considerarem uma transferência de responsabilidade de controle e cobrança, do Estado para o setor privado”, observa Castro.

Falando especificamente sobre o setor de tecnologia para o comércio e os serviços que, segundo a Afrac, é essencial para a vitalidade das empresas nacionais tanto no desenvolvimento de sistemas que aprimoram a gestão empresarial quanto na automação fiscal e fundamental para a arrecadação tributária, Castro diz ter sim ausência de diálogo no aproveitamento do conhecimento do setor, na criação dos detalhes do projeto.

Para o presidente da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), Roberto Mateus Ordine, o problema é que a reforma tributária começou de um jeito e está terminando de outro, descaracterizada em relação ao que se prometeu no começo.

“No campo dos serviços, que engloba o digital, a reforma entrou numa tributação mais alta do que aquela que se previa”, considera Ordine, acrescentando que anteriormente os serviços digitais sempre contaram com incentivos para investir e crescerem. A questão, de acordo com o presidente da ACSP, é que na reforma o setor de serviços foi equiparado aos demais setores, com uma alíquota padrão média de 26,5%.

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