Cotas raciais na UEM: até que enfim!
Ainda que no calor da hora, preciso escrever esta crônica para registrar que as cotas raciais foram aprovadas na Universidade Estadual de Maringá. À lá cabo Daciollo, eu poderia dizer Glória a Deux! Como tenho acompanhado a questão de perto, altero o receptor do agradecimento e professo a realidade – embora mantenha o carioquês: Glória aos negrox!
(Mais especificamente ao coletivo Yalodê-Badá e ao Núcleo de Estudos Interdisciplinares Afro-brasileiros. Axé!)
É meio surreal o momento vivido. Embora referência em uma série de iniciativas, a UEM ainda não tinha uma política afirmativa referente aos pretos e pardos. Após muita luta, uma pequena vitória chegou nesta quarta-feira (20). O Conselho de Ensino e Pesquisa aprovou a implementação das cotas raciais. Até que enfim!
Com a decisão, 20% das vagas nos vestibulares a partir de 2020 ficam reservadas a essa ação afirmativa. Talvez por ação de Ogum, a decisão foi tomada bem no dia 20 de novembro.
Nas redes sociais, muita comemoração. Por outro lado, há aqueles que criticam a decisão da universidade. Para além do sentimento de vitória, portanto, vale a seguinte reflexão: como convencer o outro de que as cotas raciais são, sim, importantes? Lembrando que deixar a pessoa ouvindo Tiago Iorc durante mais de 30 segundos não vale porque os métodos de tortura já não são mais tolerados.
Não há uma resposta definitiva, mas é necessário ter paciência. Se você sobreviveu às discussões os almoços em família em 2018, durante o período eleitoral, ou então se não se irritou e até cantou “Caneta azul, azul caneta/Caneta azul, tá marcada com minhas letras” durante as 27 mil vezes que a música apareceu neste mês, há chances possíveis quanto a argumentar com quem ainda não se sente convencido.
Há muitas pessoas que entendem a cota como esmola, chegando a dizer que é uma forma de mostrar que os negros são burros (!) já que não têm a mesma capacidade (!!) dos outros e por isso precisam (!!!) dessa ação afirmativa.
A esse tipo de pessoa, diga que não é bem assim: a cota racial é uma forma de inserir quem histórica e estatisticamente está à margem da sociedade. A cota racial não só serve como reparação como para dizer: “olha, pessoa negra, sabemos da sua dificuldade. Já que você não teve acesso às boas escolas, aos cursos de idiomas e nem ganhou um carro do seu papai quando passou no vestibular, reservamos um sistema para que você tenha chances de entrar na universidade”.
Se a pessoa disser que há brancos que vivem na pobreza, com as mesmas dificuldades, diga que sim, há, tanto que a universidade tem o sistema de cota social. Fale, também, que o problema é de classe. Se a pessoa não te chamar de petista-gayzista-comunista-mamadeiradepiroca, argumente citando os problemas que as escolas públicas vivem, a desvalorização do salário mínimo e o desemprego em alta. Apenas ressalte que as situações enfrentadas pelos negros são mais complexas.
O branco pobre não é seguido em supermercados e shoppings. O branco pobre não é sempre o suspeito da cena. O branco pobre nunca é chamado de macaco em qualquer discussão. O branco pobre não precisa ouvir que ele deveria permanecer na senzala.
A luta não é e nunca foi fácil. A diferença, agora, é que há esperança. Se argumentação não funcionar, paciência. Agora, se o interlocutor passar a lhe ofender, não deixe por menos: dê a ele um CD do Tiago Iorc.
Por fim, mas não menos importante, proponho a mudança de uma das frases mais combativas da luta antirracismo. Em vez de apenas “Racistas não passarão”, complementemos: “Racistas não passarão! O povo negro sim. No vestibular da UEM!”.
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Fale com o cronista pelo e-mail victorsimiao1@gmail.com.