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27 de abril de 2024

No campo


Por Victor Simião Publicado 09/11/2018 às 16h30 Atualizado 18/02/2023 às 22h13
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Assistira a todos os jogos do Brasil na Copa do Mundo de 2014 no campo. Nas vitórias, comemorara como se tivesse sido ele o autor do gol. No dia do 7×1, chorara igual havia chorado nos piores de sua vida – que foram todos, com exceção daqueles em que ele vira Neymar e sonhara em se tornar um camisa 10. O placar diante da Alemanha fora a segunda goleada em sua vida naquele ano. Meses antes, perdera o irmão mais velho.

– Pelé é o maior de todos os tempos e ponto final! – o primogênito sempre dizia.

O mais velho era sua referência. Fora ele quem lhe ensinara a chutar com as duas pernas, a correr, a cabecear. Como sempre se sentiram perdidos em meio ao lugar onde viviam, carregando a sensação de não pertencimento herdada dos pais, somente o futebol havia restado à dupla – a irmã do meio preferira o vôlei.

– Temos de jogar bola para conseguirmos sair daqui e encontrar um futuro melhor – o mais velho afirmava.

Quase nunca haviam discordado um do outro – só um tópico envolvendo o ex e o atual camisa 10 da seleção brasileira resultara em ânimos acirrados.

– Neymar é maior que Ronaldinho Gaúcho – bradara o mais novo, cujo sobrenome era uma homenagem ao jogador de destaque da Copa do Mundo do ano de seu nascimento.

– Claro que não! O dentuço ganhou copa, jogou muito mais e levou títulos pelo Barcelona. Você vai crescer e entender – respondera o mais velho, utilizando-se do discurso de autoridade conquistado pela idade.

Lembrou-se de tudo isso, o mais novo, em março de 2018. A menos de três meses para o torneio futebolístico mundial, ele era o único irmão, o único filho, o único de sua família. O mais velho morrera quatro anos antes; a irmã do meio e os pais morreram em 2016.

Naquele momento, pensou em toda a sua vida, na tristeza que carregava; aliviou-se ao se lembrar de que haveria, em breve, a competição com 32 seleções. Havia, também, outro motivo que o fazia ter esperança.

Em 06 de abril, participaria de uma peneira. Um grande clube do Rio de Janeiro, em parceria com entidades assistenciais internacionais, selecionaria atletas para jogar na base do time. “É a oportunidade para você deixar esse campo e ir para o verdadeiro campo: o gramado do estádio”, anunciava a oz grave que saia no carro de som.

A grande chance da vida dele. Seria.

Morreria faltando uma semana para o teste, a 72 dias para o início da Copa do Mundo da Rússia.

***
Human Rigths Wacth

30 de março de 2018:

Conforme reportado no início deste relatório, nossas equipes encontraram 16 corpos nesta data após o ataque de bombas feitas por Israel à Palestina. Seguem os dados de cada um dos mortos. […]

Corpo 10: Yasser Rushdie Ronaldo: 15; reconhecido pela arcada dentária; estava no campo de refugiados ao norte da Faixa de Gaza; com ele foram encontrado um relógio e documentos; vestia uma camiseta amarela; na parte de baixo não se sabe o que usava porque as bombas explodiram suas pernas; conforme nosso banco de dados, pais e irmão foram mortos por bombas em ataques a palestinos em anos anteriores. A família chegou ao campo em 2002.

 

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