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15 de junho de 2024

Resenha: Os 7 de Chicago


Por Favor Rebobinar Publicado 05/03/2021 às 15h49 Atualizado 19/10/2022 às 10h21
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“Os 7 de Chicago” se passa em 1968 e narra o episódio histórico durante a 35ª Convenção Nacional Democrata, nos Estados Unidos, onde mais de 15 mil manifestantes se organizaram para protestar contra a Guerra do Vietnã. A ideia era aproveitar o tradicional evento, de expressiva repercussão midiática, para protagonizar um ato político a fim de mostrar a indignação coletiva com o recrutamento compulsório de civis enviados para o abatedouro no continente asiático. Acontece que a manifestação, inicialmente pacífica, não recebeu a autorização da prefeitura de Chicago para ser realizada. E diante de uma multidão furiosa, o governo covarde fez o que as autoridades sempre fazem nessas ocasiões: enviaram tropas da polícia militar para impedir a marcha.

O saldo do confronto, além de milhares de pessoas feridas, foi a prisão de oito ativistas. Um deles foi Bobby Seale, cofundador do movimento Panteras Negras, que foi posteriormente inocentado porque não havia evidências de sua participação – esta fora claramente uma estratégia imoral que o Estado encontrou para enfraquecer o Panteras Negras, associando o movimento a práticas de conspiração. Sendo assim, restaram os 7 réus do título, que enfrentaram um julgamento de meses por serem incriminados de formação de quadrilha e incitação à violência.

As intempéries deste acontecimento envolvem diferentes temáticas sociopolíticas que infelizmente reverberam nos dias de hoje, como preconceito, abuso de poder e parcialidade judicial. Por conta disso, “Os 7 de Chicago” já é recebido com status de uma produção relevante. E não discordo, acho que o filme toca em pontos cruciais e que merecem ser revisitados e debatidos; o problema é o resultado de como essa história foi transferida para o cinema. Se por um lado, é importante refletir sobre as questões expostas pelo filme, por outro e sem passar pano, é preciso reconhecer que essas mesmas questões poderiam ser aproveitadas com mais responsabilidade.

Para situar o espectador, o início do filme apresenta uma colagem de imagens de arquivo alternada com a introdução de cada personagem, enquanto proferem discursos em defesa da causa. É um prólogo bem bacana, ágil e embalado pela ótima faixa de Daniel Pemberton, que faz um bom trabalho na composição da trilha sonora, sobretudo ao adicionar detalhes da essência rock’ n’roll daquele período. Pois bem, estes sete minutos iniciais são o que de melhor o longa tem a oferecer, porque na sequência, começa a encenação da história, e “Os 7 de Chicago” funciona como se “A Escolinha do Professor Raimundo” fosse ambientado no tribunal.

Para além do roteiro truncado e preto no branco, o aspecto mais irritante é o tom equivocado de comédia que o filme tenta evocar, adicionando piadinhas aqui e acolá que simplesmente não são orgânicas à seriedade que a trama pede. Quando o humor é certeiro, nem sempre é efetivo por conta do cartucho queimado. É piada envolvendo o nome dos acusados, as diversas interrupções na fala do juiz e comportamentos exagerados que, em certo momento, mais se aproximam de uma esquete de programa humorístico da Record – e nesse sentido, a caracterização dos atores colabora negativamente.  

Os mais lesados são o já citado Bobby Seale (Yahya Abdul-Mateen II), que, às vezes quando se manifesta, impõe-se como um imperdoável alívio cômico – ainda mais considerando a natureza dramática de sua jornada no episódio em questão –, e o juiz corrupto interpretado por Frank Langella, cujas caras e bocas e a vilania hiperbólica são aceitáveis em uma novela de Walcyr Carrasco, mas não em uma superprodução de prestígio. A Sacha Baron Cohen e Jeremy Strong é reservada a cota das sacadas mais inspiradas, enquanto Eddie Redmayne é o líder estudantil que personifica o equilíbrio entre os dois extremos, o famoso “centrão”. O mais bem resolvido do elenco é o ótimo Mark Rylance no papel do advogado de defesa, pois mesmo não saindo incólume às derrapadas, é perceptível que o ator se agarra a possibilidades críveis em sua composição, em vez de cumprir um papel específico como se fosse uma peça de tabuleiro.

A bem da verdade é que o roteiro de Sorkin faz um desserviço não só aos homens reais envolvidos na história, como também ao desenvolvimento narrativo dos fatos, extremamente enfraquecido por conta das decisões tomadas, como a narração em três tempos do confronto no Grant Park e a breguice impregnada e decepcionante da cena final. É inaceitável que o mesmo roteirista do moderno e espetacular “A Rede Social” (2010) encabece um projeto morno e formalmente tão antiquado.

Se como roteirista, Aaron Sorkin deixou a desejar, alguém deveria tirar da cabeça do cineasta a ideia de que ele sabe conduzir uma história. Por “Os 7 de Chicago”, é Sorkin quem deveria sentar no banco dos réus, acusado pelo tratamento insipiente de uma história que poderia render muito mais.  

“Os 7 de Chicago” está disponível no streaming da Netflix.

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