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19 de abril de 2024

“Como assim você não tem Insta?”


Por Victor Simião Publicado 26/07/2018 às 15h30 Atualizado 17/02/2023 às 19h36
 Tempo de leitura estimado: 00:00

Sei que é feio dizer isso, mas eu costumo ouvir a conversa dos outros. Pode ser sobre qualquer assunto: física quântica, o preço do gás, a afirmação de masculinidade dos “héteros topzeiras” por meio da soma de meninas beijadas na noite anterior. O hábito de colocar o ouvido onde não sou chamado é mais antigo do que o de sempre dar 10 centavos aos flanelinhas que ficam na Avenida Getúlio Vargas, centro de Maringá, para evitar qualquer tipo de coerção.

Dia desses, chegando à Biblioteca Central dos Estudantes (BCE) da Universidade Estadual de Maringá (UEM) para renovar uns livros, vejo um casal de namorados brigando. Não fujo à obrigação que eu mesmo me dispus e ali fico, olhando disfarçadamente para um poste de luz, como se eu fosse um técnico da Copel. O ouvido atento.

– Você é um babaca, Jeferson. Só isso que eu tenho pra te dizer.
– Mas só por isso você me chama de babaca?
– Não é só por isso, Jeferson. São as minhas fotos. M-I-N-H-A-S. E você não curte elas.
– Eu nem fico tanto tempo assim no Instagram, Alice, e você sabe disso.
– Mas fica o tempo suficiente para curtir as fotos das suas amigas, da Carla, da Elisa, da Laís, né?
– Não é bem assim, Alice.
– …
– Elas não são minhas amigas.

“Uma briga dos tempos modernos”, penso, enquanto observo o material que forma o suporte do poste de luz. Quando menos espero, meu celular toca. Não estando no silencioso, a voz de Xande de Pilares cantando (“Brincadeira tem hora/Brincadeira tem hora/Brincadeeeeeeeeeeira tem hora”) chama a atenção do casal, que interrompe a discussão momentaneamente e me encara. Dou um sorriso a eles enquanto ouço um auxiliar de telemarketing perguntar se eu me chamo Robson, se o número do meu celular já foi do Robson, se algum dia eu ouvi falar sobre o Robson.

– Só aquele que trabalha como garçom do Bar do Zé – respondo e encerro a ligação.

O casal continua brigando. Enquanto me preparo para ouvir mais uma vez a discussão, meu celular novamente me chama. Dessa vez, vibrando. Não ouço música alguma vindo dele porque é um SMS. Abaixo a cabeça e leio: “Você é o Robson?”. O número é o mesmo que acabou de me ligar.

Não acredito no que acabo de ler. Por isso, levanto o meu celular para reler a mensagem – decisão errada, percebo logo depois. O casal para novamente a discussão e me encara, como se eu estivesse mirando o aparelho para eles – e tudo indica que sim.

– Ei, você tá fazendo um story da nossa briga pra postar no Insta? – me pergunta Alice.
– Não, não. Eu não tenho Instagram – respondo.

Alice se esquece da briga. Ela se esquece das fotos da Carla, da Elisa e da Lais. Ela só tem uma coisa na cabeça. Uma pergunta.

– Como assim você não tem Insta?

É, Alice e mundo, eu não tenho conta nessa rede social. “Como assim você não tem Insta?”, a pergunta me feita pela Alice, talvez seja o segundo questionamento que mais respondo em Maringá. O primeiro deles, com toda a certeza, é o “Me dá um cigarro?”. Que atire o primeiro maço de Marlboro quem nunca respondeu a isso andado pela Praça Raposo Tavares durante a noite!

Nunca tive, não tenho e, se tudo seguir conforme o planejado, nunca terei. É uma decisão pessoal e completamente racional. Nunca gostei de aparecer em fotos, nem de tirar fotos. Uma vez, aliás, me perguntaram se eu não sentia falta de ter um Insta, de saber o quê os meus amigos têm feito, como as pessoas estão, e o quê eu fazia para ficar a par do que acontecia.

– Eu me encontro com elas. Pessoalmente – respondi.

A pessoa que me perguntara ficou ofendida e postou um story falando sobre como tinha gente grossa que odeia rede social. Sei disso porque um amigo fez um story dizendo que me contaria tudo. E ele me contou.

Acho que, no fundo, não consigo seguir ondas, modas. Tenho redes sociais mais por conta do meu trabalho do que por outra coisa. Prefiro uma boa conversa de bar a uma série de postagens de fotos no Instagram.

Sim, é possível fazer as duas coisas, mas meu ódio mortal por quem, quando no bar, deixa de conversar com os amigos para ficar no celular, me impede de criar uma conta.

Sou um velho no corpo de jovem. Ao menos era isso que eu dizia até uma amiga me mostrar que os avós dela têm Instagram.

– Eles trocam direct dizendo que se amam. É tão fofo, Victor – ela me disse.

Me dei conta que sou só diferente, então. E é isso que sempre digo quando me perguntam por que não tenho Insta.

– Não, não tenho. Sou só diferente – respondo à Alice.
– Ah, que bom. Porque olha, se tivesse, eu iria curtir suas fotos. Até porque o meu namorado curte as fotos das meninas que ele diz que não conhece. E como eu não te conheço, eu poderia curtir suas fotos e ficaria tudo bem.

Fico sem reação.

Meio sem graça, dou um sorriso e penso em agradecer, mas não dá tempo: Jeferson entra na conversa.

– Ah, Alice, para, tá? Você já curte foto de gente que você diz não ser amiga, Alice, que eu sei. O Robson, por exemplo, que você diz que não conhece, eu vi lá: você não só curtiu como comentou: “bombadão”.

“Robson? Que coincidência! Deve ser alguém famoso. Me ligaram à procura dele há pouco e ela curte as fotos do cara. Deve ser uma daquelas pessoas que têm mais de um milhão de seguidores”, penso.

Como não tenho Instagram, não tenho certeza.

Afasto-me do poste e me despeço do casal. Sigo em direção à biblioteca para renovar meus livros.

_

Fale com o cronista: victorsimiao1@gmail.com

 

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