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18 de abril de 2024

NO DECURSO DA VIDA


Por Elton Telles Publicado 29/07/2019 às 01h35 Atualizado 23/02/2023 às 16h24
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“Dor e Glória”, novo filme com assinatura do espanhol Pedro Almodóvar, transborda lucidez e autoconsciência. Por contar de maneira tão íntima a história de um cineasta em contato com o passado e o reflexo dele em suas criações artísticas, é automático associar o protagonista com o próprio Almodóvar, ainda mais pelo retrato humilde da infância, a facilidade do personagem com as tarefas escolares, a predileção pelas artes e a admiração apaixonada por outro homem. Todos estes enredos, de alguma forma, percorrem a filmografia do diretor, portanto, evidentemente este também se trata de um projeto com respingos autobiográficos.

Pois mesmo que não houvesse qualquer ligação direta com o realizador, é admirável o nível de maturidade alcançada por Almodóvar em “Dor e Glória”, além da coragem pela exposição abdicada de vaidades, mostrando uma trajetória de conquistas (glória) e, principalmente, fraquezas (dor).

No exercício de resgatar o passado, o personagem central, então na casa dos 50 anos, lida com as memórias abafadas pelo tempo. Em certo momento, há um diálogo interessante com uma atriz veterana em que ele comenta sobre a atuação de um ator que dirigiu há 3 décadas e que se revelou muito boa com o passar dos anos, mas não aprovava na época de lançamento do tal filme. Ela responde: “a atuação sempre foi a mesma. Você que mudou a forma de enxergar as coisas”. A reconfiguração do olhar e como naturalmente a perspectiva é alterada com a influência do tempo permeia toda a trama, e a abordagem encanta pela sutileza de como essas ponderações são inclusas e apresentadas de maneira dinâmica.

O confronto do personagem consigo não se restringe apenas aos sentimentos, mas também à resposta do corpo com o avançar dos anos, como expõe o ótimo infográfico com as dores e doenças que o protagonista foi adquirindo. “Dor e Glória” também é um filme sobre envelhecer, e a necessidade de enfrentar as invariáveis mudanças – internas e externas – provocadas no decurso da vida. São muito férteis para reflexão os argumentos suscitados pelo roteiro, expostos com finíssima polidez em vez de entregá-los com austeridade. Essa postura concede liberdade ao espectador para tirar suas conclusões, lançando até mesmo um convite para revisitar as próprias lembranças.

Comum em suas produções anteriores, porém cada vez mais acentuado, é o trato despojado de Almodóvar com a espinha narrativa, o que permite maior liberdade para quebrar certos “paradigmas” da estrutura do roteiro. A opção de brincar e “trair” convenções e aspectos tradicionais só reafirmam a dedicação e esmero do diretor com a sua obra. Ainda que o espectador seja bombardeado com um bem filmado e fluído fluxo de pensamentos e recordações, inicialmente pode se sentir perdido, mas logo é localizado e fica ciente de qual superfície está pisando. É deslumbrante constatar a eficácia do resultado, uma vez que este “quebra-cabeça” nos acompanha muito após o término da projeção.

Também há de se destacar a sensibilidade da direção, sobretudo nos momentos em que o personagem enfrenta seus fantasmas. Cenas de perdão, reconciliação, observar o que passou com os olhos de hoje e buscar compreender o que a limitada mente infantil não permitia rendem momentos honestos e gratificantes. É uma aula de delicadeza, por exemplo, o toque de Almodóvar ao retratar um momento específico da infância, quando o pequeno Salvador e o jovem carpinteiro Eduardo desenvolvem e compartilham olhares recíprocos de afeição, advindos da intelectualidade de um e do manejo braçal do outro.

“Dor e Glória” marca a oitava colaboração do ator Antonio Banderas com Pedro Almodóvar. Digno de nota nos papeis em “A Lei do Desejo” (1987) e “Ata-me” (1989), não há dúvidas de que, como Salvador Mallo, Banderas entrega o melhor desempenho e atinge o auge de sua carreira como intérprete. É muito intrínseco como o ator se apropria das agruras de um personagem bem delineado e complexo. Como a orgulhosa mãe do protagonista quando menino, outra colaboradora habitual do cineasta, Penélope Cruz preenche a tela com doçura, beleza e generosidade. No entanto, nada supera o impacto emocional da mesma personagem, agora idosa, interpretada pela veterana Julieta Serrano, na cena em que mãe e filho tiram a limpo algumas insatisfações.

Realçado pela caprichosa fotografia assinada por José Luis Alcaine, “Dor e Glória” também ganha profundidade com algumas metáforas, como o efeito da água e o hábito do protagonista se engasgar e ter dificuldade de colocar seus problemas pra fora. Isso até o momento que consegue exorcizar os seus demônios por meio da arte – e aqui cabe uma boa sacada do papel e contribuição do artista em um mundo cada vez mais avesso ao afeto. No mais, o filme é um doloroso e prazeroso passeio psíquico dentro da mente de um homem se acostumando com as mudanças acarretadas pela sua vivência. Particularidades e circunstâncias à parte, a identificação é imediata e inevitável.

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