Após 15 anos dormindo em sepultura, morador da região ganha casa, mas não abandona os mortos
Figura caricata na pequena cidade de Marialva, na região metropolitana de Maringá, o pedreiro Edson Aparecido de Carvalho de 50 anos, enfim, conseguiu um “canto” para viver e deixou a sepultura que usou como casa, por 15 anos no interior do cemitério da cidade. Para você que não conhece a história do Edson, vamos relembrar como o pedreiro transformou uma sepultura, construída para enterrar um família, em sua própria casa.
Em 2006, Edson vivia na rodoviária de Marialva e se viu obrigado a deixar o espaço público após ter sido expulso durante a madrugada. O dia amanheceu e o pedreiro, que sempre realizou pequenos reparos no cemitério, foi trabalhar normalmente. Ciente de que não poderia voltar para a antigo dormitório, e sem outra opção para passar as noites frias, Edson viu em um jazigo de 3m³ o espaço mais apropriado para se abrigar. Ele nunca imaginou, mas passaria naquele local os próximos 15 anos de sua vida.
“Um dia fui contratado para fazer um túmulo aqui e vi que havia uma capelinha vazia. Os trabalhadores mais antigos daqui falaram que a ossada havia sido retirada e enviada para Campo Mourão e que o dono não apareceu mais. Daí pensei, pronto, encontrei minha casa. Tinha dia que eu nem saia do cemitério, trabalhava por aqui fazendo pequenos consertos, eu faço de tudo que precisar. Ficava o dia trabalhando e depois ia dormir”, relembra Carvalho.
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E durante uma década e meia, os vizinhos do Edson foram sepulturas, túmulos e capelas antigas, como a que residiu.
Ele sempre se mostrou à vontade em meio à imagens de santos, cruzes e estátuas, o que provocaria arrepios em qualquer pessoa.
“Não vou falar que é o ideal morar em um cemitério, mas é uma coisa que a gente já se acostumou. É melhor morar no cemitério do que na rua lá alguém pode fazer alguma maldade. É uma tranquilidade. Esses vizinhos eram muito quietos, quase nem falam nada. Ainda bem né”, brinca e da risada Edson Carvalho.
Em Marialva, a população já era acostumada com a ideia. Ninguém parecia se importar ou se incomodar com o “inquilino do bairro dos mortos”, tanto que o apelido do Edson passou a ser “Cemitério” ou “Morto-vivo”. “Aqui todo mundo já conhece ele assim, pelos apelidos. Mas temos que reconhecer que ele é corajoso demais. É raro achar quem passa aqui em frente a pé durante a noite. Imagine morar todo esse tempo à noite”, afirmou um amigo que presta serviços no espaço público.
O jazido era como um quarto adaptado com roupas penduradas no barbante e um colchão fino. Para tomar banho, Edson conta que usava o banheiro do espaço público e nos fundos do cemitério adaptou um fogão a lenha, porém, com o dinheiro que ganhava dos serviços, ele preferia comer marmitas, ou mesmo alimentos prontos que recebia de doações.
“Eu mal cabia lá na sepultura. Tinha que ficar com a perna encolhida. Nessa parte era ruim. Teve uma vez que eu deixei as pernas para fora e a cabeça coberta. Uma senhora que veio logo cedinho viu aquela cena das minhas pernas para fora e saiu correndo (risadas). Ela achou que era um corpo. Olhou e pensou: o que é isso? Saiu correndo, mas logo depois entendeu que era eu”, contou Edson.
Questionado sobre ter presenciado fenômenos sobrenaturais, Edson garante que os episódios mais inusitados que presenciou eram protagonizados por pessoas de carne e osso. “Nunca vi alma de outro mundo, essas coisas. O que vejo são pessoas bem vivas que vêm aqui para transar ou fazer alguns rituais. Nem me incomodava com isso e não saía fora do meu túmulo. Eu só queria é descansar, desde que não mexessem comigo”.
A nova casa
Há exatamente 9 meses, Edson deixou de ser um morador vivo dentro do cemitério. Não pense você que ele está longe dos mortos ou que não frequenta mais o local. Com apoio da Prefeitura, um espaço foi improvisado e o pedreiro ficou com parte do espaço de um barracão ao lado cemitério. É só um muro que divide a casa do Edson com a morada dos mortos. “Estou contente, porque agora eu tenho luz, água e o espaço é bem maior que o jazigo. A casa é simples, mas para quem já ficou sem ter para onde ir, isso aqui está bom demais. A tranquilidade é a mesma da casa antiga”.
Edson ainda faz questão de agradecer quem não se conformou com a situação de ele morar na sepultura, dentro do cemitério. “Eu tenho uma irmã aqui em Marialva, mas ela é casada e tem os problemas dela. Não gosto de incomodar. Passei a morar na rua desde que meus pais morreram, agora eu me viro sozinho. Quem disse que iria me tirar lá do túmulo foi a vereadora [Josiane da Silva] e o Prefeito [Victor Martini], quem eu sempre agradeço, pois realmente fizeram isso”, ressaltou Edson.
Na nova moradia foi possível fazer novos amigos também. Próximo ao barracão está localizado o Eco Ponto Municipal que tem grande rotatividade de veículos e pessoas. “O ‘Cemitério’ (Edson) já virou nosso amigo. Quase todo dia ele desce aqui para conversar com a gente. É engraçado que ele está morando fora do cemitério, só que não sai de lá. Até para cortar caminho passa por ali. Esse gostou de ficar ai perto dos mortos”, afirmou Aldevino, prestador de serviços no Eco Ponto.
A vida de Edson é simples e ele não esconde que enfrenta dificuldade com o alcoolismo. Bebe cachaça praticamente todos os dias. Quem sabe essa é a forma que encontrou de fugir dos problemas ou da vida difícil que leva sozinho, pois, não teve filhos e alguém para dividir o dia a dia. O homem que passou quase um terço da vida dividindo o mesmo espaço com os mortos, talvez tenha encontrado uma semelhança vivendo com aqueles que já se foram: o esquecimento. E por isso, buscou abrigo no lugar em que ninguém iria lhe acolher, mas que também onde não seria incomodado. Afinal, os vivos não o quiseram perto nem na rodoviária.