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01 de dezembro de 2025

O primeiro encontro


Por Victor Simião Publicado 04/09/2025 às 14h35
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Foto: Tomaz Silva/Agência Brasil

Jantar em um primeiro encontro nunca me pareceu uma boa opção. Mesmo assim eu cedi, claro. E tinha como dizer não à Mari? Alta, magra, loira. Médica bem-sucedida, olhos verdes – mais doce que um panetone no Natal. Eu havia sugerido o Bar do Zé, sem sucesso.

– Ai, Victor, que tal aquele restaurante famoso lá no Mercadão?

Minha conta Nubank dizendo não. Meus desejos primários dizendo sim.

– Com certeza!

Fomos. Como nós nos conhecemos pouco importa. Fato é que, durante a conversa, eu achei que ela estivesse encantada comigo. Contei para Mari a minha infância em Umuarama, as viagens que fiz em um celtinha 99 para o Paraguai e como eu era feliz vendendo Cds piratas na porta da escola.

– Dava pra ganhar alguns trocados. Além disso, fiz bons amigos na polícia nas vezes em que fui detido.

A comida chegou. Papo vai, papo vem, não achei que nossa vida fosse tão diferente, nem mesmo quando ela contou onde havia crescido.

 – Minha infância foi em Paris, meu pai era dono de uma grife lá. Eu não vendia nada, mas sempre tinha bolsas da Louis Vuitton.

Experiente que sou, percebi que Mari estava interessada em mim. Ou ao menos era o que parecia: ela olhava o celular a cada 30 segundos, e eu tinha a certeza de que era para ver se faltava muito para a gente ir embora juntos.

A médica tinha o riso fácil, ou parecia, mesmo que não tenha dado uma risada sequer quando contei piadas como a dos dois portugueses na padaria; ou a do papagaio que joga futebol; ou a do mineiro que… Ela até pediu para que eu parasse em certo momento. Acho que é porque não aguentava mais rir por dentro.

Tudo corria bem, mesmo quando Mari falou que o maior sonho da vida dela era descobrir a cura do câncer e ouviu que o meu era passar dias e dias naquele cruzeiro especial do Roberto Carlos.

Foi nessa hora que ela se engasgou, acho que de emoção. Aí uma alface ficou nos dentes superiores dela, e eu, que queria parecer um galã e não a assustar, me acovardei e não lhe disse nada. Pensei que em algum momento Mari se limparia. Mas isso não aconteceu, nem mesmo quando eu, olhando no fundo daqueles olhos verdes, enquanto ela falava como costumava viajar todo fim de semana em um jatinho privado, fiquei olhando-a e, de boca aberta, passava a língua nos meus dentes, de um lado para o outro. Sem sucesso.  

Seguimos conversando amenidades que tinhamos em comum. Ela, a alface ainda no dente, falava sobre as aplicações financeiras que fazia; eu, sobre os empréstimos no banco que estava pagando em 48 vezes; ela, sobre os restaurantes mais bem-avaliados do mundo; eu, sobre a batata com queijo e bacon do Bar do Zé.

Na hora da conta – a verdura ainda nos incisivos! – Mari sugeriu que dividíssemos. Fiquei ofendido, disse que não. Ao ver o valor, afirmei que tinha feito uma brincadeira. Ela passou um cartão black. Já eu me levantei, disse que ia ao banheiro e, voz baixa, perguntei ao garçom se dava para parcelar em seis. Ele só riu. Foi no crédito, então. Já que ela estava na minha, era um investimento.

Chegada a hora de ir embora, com os carros distantes de onde estávamos, disse a Mari que entrasse no meu e eu a levaria até o dela. Ela olhou estranho para o celtinha, mas embarcou na nave. Talvez pelo Raça Negra tocando no rádio, ela se virou para mim, esticando o braço como quem fosse pegar meu rosto. Antes que ela fizesse outro movimento e talvez alcançasse a minha boca, eu a interrompi.

– Seu dente, Mari…

– Han?

– Tá sujo!

Ela ficou sem graça e, ato contínuo, deu tchau para a pessoa que estava ao lado da minha porta, uma amiga dela de faculdade. Aí voltou o braço para o lugar. Então perguntou por que eu não havia dito antes. Foi quando expliquei que ter passado a língua nos meus dentes durante sete minutos seguidos tinha sido a minha forma de comunicação. Silêncio no carro, que tentei quebrar contando uma piada. Sem sucesso.

Chegamos ao BMW dela. Nos despedimos com um aperto de mão e até breve. Confesso: fiquei frustrado, mas eu sabia que, logo, logo a gente se reencontraria. Esperei Mari entrar no carro. Aí, sim, dei partida e fui embora. Triste, aumentei o volume e cantei “Estou te querendo/ Nasci pra você, Cigana”.

E aí, epa!, não muito tempo depois, meu celular começou a tocar. Era a Mari.

Eu sabia.

Ela me queria.

Minha mente foi longe e fez planos. Que eu me endividasse cada vez mais. Eu iria para Nova York com ela. Eu a levaria para jantar nos lugares mais caros do mundo – e também em Umuarama. Eu informaria quando houvesse qualquer tipo de fiapo na boca dela. Eu até aprenderia a pronunciar Lui Viton!

– Oi, Mari! – eu disse ao atender.

– Victor…

Sim, Mari, sim. Vamos ficar juntos e ser felizes, eu pensei. Vamos ter filhos com esses nomes de filhos de rico. Eu não me importo. Sim, eu digo sim, eu quero sim.

– O que, Mari?

– É que seu farol traseiro tá queimado. Tô te ligando porque tô atrás de você e tô vendo isso.

Sem Mari. Sem beijo. Sem farol.

Droga. Eu teria que fazer mais um empréstimo.


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Victor Simião, 31, é jornalista e sociólogo. Ele fala sobre livros na rádio CBN Maringá e pode ser encontrado ou no Instagram ou pelo e-mail victorsimiao1@gmail.com

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