A exploração política do cadáver na Praça dos Três Poderes
O Brasil é um país tão sujo que as pessoas não hesitaram um minuto antes de explorar politicamente na mídia o homem morto em frente ao prédio do STF.
Claramente um lobo solitário, ele foi transformado em um terrorista talvez mais perigoso que Bin Laden, em torno do qual orbitam células e até mesmo, quem sabe, um núcleo político.
Ao que se vê nos vídeos, ele atentou apenas contra si e contra uma estátua, jogando-lhe aparentes rojões e, ainda por cima, errando, mas foi o suficiente para ser alçado a uma espécie de sniper tupiniquim, que atentou contra a democracia e as instituições.
Tendo escrito em redes sociais que desgostava tanto de Lula quanto de Bolsonaro, foi rapidamente carimbado pela mídia como um louco de direita. Afinal, para a imprensa, não pode haver extremismo de outro espectro político. Já pensou ver o homem ser chamado nos jornais de extremo-isentão? Não dá.
Um site jornalístico que ninguém mais lê, mas que se vende como nem de direita nem de esquerda, estampou uma manchete desesperada, anunciando que o homem se autodenominava patriota, como a dizer: tome, direita, que o filho, ou melhor, o morto, é teu.
Mas o mais sujo de tudo isso, definitivamente, foi aproximar o perturbado homem a um símbolo do perigo da liberdade de expressão nas redes sociais. O homem tem sido tratado pela imprensa como alguém enlouquecido pelas redes tóxicas. Como se o mundo antes das redes não fosse tóxico, como se em países com redes reguladas e censuradas não houvesse terror, como se os loucos precisassem de uma motivação para além de sua loucura para serem loucos.
A ambição de uma rede social higienizada, com uma liberdade anestesiada, é burra: desconsidera que a receita de um bolo tem que dar errado antes, para sair boa depois, que criança que não se suja na lama não aprende a ser gente, que debate sem confronto é domesticação política.
Ver políticos pedirem redes higienizadas é algo feio, mas entendo – lhes é útil o cabresto. Agora, ver a imprensa ser higienista embrulha o estômago. Mas um país que se presta a explorar cadáveres não tem mesmo preocupação com o feio ou com a saúde do debate. Um lugar assim é sujo, está mais tóxico do que suas redes, está mais morto do que o cadáver do homem na Praça dos Três Poderes.
Sobre o autor
André Marsiglia é advogado constitucionalista, especialista em liberdade de expressão. Formado em Direito e Letras pela USP. Mestre e doutorando pela PUC-SP. É fundador do Instituto Speech and Press. Foi consultor jurídico da Repórteres Sem Fronteiras (RSF). É membro da Comissão de Mídias da OAB, da Comissão de Mídia e Entretenimento do IASP e membro julgador do Conselho de Ética do CONAR. Escreve sobre liberdade de expressão e judiciário, sempre às terças-feiras, no Portal GMC Online
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