Caso Natuza Nery expõe a balança viciada da liberdade de expressão
Ninguém sabe direito o que houve no caso Natuza Nery, tão falado durante a semana. Até o momento, temos a palavra das partes, e é insuficiente. Ao que parece, houve uma troca de farpas em um supermercado entre a jornalista da GloboNews e um policial, que acabou dizendo que pessoas como ela deveriam ser aniquiladas.
Ato contínuo, autoridades e ministros da Suprema Corte, como Gilmar Mendes, precipitaram-se a sentenciar que se tratava de um grave ataque ao jornalismo. A imprensa, de forma geral, publicou ter sido uma ameaça. O policial, ouvido pelos rodapés das páginas dos jornais, disse que apenas a criticou.
Eu tendo a achar que provavelmente se tratou de um lamentável e lícito bate-boca, algo comum nos debates. Dizer que o outro deve ser eliminado do mundo faz parte da ênfase dada a debates acalorados. No entanto, se a intenção dele foi unicamente insultar, xingando a jornalista, pode-se, no máximo, dizer ter havido ofensa à honra, jamais um ataque ou ameaça. Ataca-se com a mão, não com palavras; ameaça-se sob possibilidade concreta do ato ameaçador se realizar. Difícil pensar ter sido o caso.
Dessa forma, o critério mais adequado para a licitude de certos discursos é observar a intenção do emissor da mensagem: se quis debater, insultar ou criar uma situação concreta de ameaça.
Acontece que, no Brasil, o equilíbrio da balança da justiça é inoportuno. A ausência de um critério claro resulta em uma bagunça jurisprudencial que favorece autoridades pesarem sua mão em um dos lados da balança.
Diante da ausência de critérios, juízes e governantes retiram de sua cachola um limite curto para a liberdade dos que pensam diferente deles e um limite amplo para os que são próximos e pensam igual. E a balança pende fácil, pois as autoridades fazem peso com a força bruta do Estado que representam.
É o que provavelmente acontecerá no caso Natuza Nery. Como ela está em uma emissora próxima ao governo, o governo é próximo a autoridades judiciais do país, o tal policial não terá a menor chance. O que importa não será se ultrapassou o limite da liberdade de expressão, mas que ultrapassou o limite de mexer no balaio errado. O rapaz já está até julgado, segundo critério retirado da cabeça dos que têm o poder no país. É assim que tem sido e que ainda será por muito tempo no Brasil, pois a manutenção da subjetividade interessa muito aos que conseguem fazer pesar a mão na balança viciada da liberdade de expressão no país.
Sobre o autor
André Marsiglia é advogado constitucionalista, especialista em liberdade de expressão. Formado em Direito e Letras pela USP. Mestre e doutorando pela PUC-SP. É fundador do Instituto Speech and Press. Foi consultor jurídico da Repórteres Sem Fronteiras (RSF). É membro da Comissão de Mídias da OAB, da Comissão de Mídia e Entretenimento do IASP e membro julgador do Conselho de Ética do CONAR. Escreve sobre liberdade de expressão e judiciário, sempre às terças-feiras, no Portal GMC Online
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