26 de março de 2025

Juízes carrascos, advogados malabaristas e o batom na estátua


Por André Marsiglia Publicado 25/03/2025 às 14h09
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Toda convicção, por mais cega que seja, fica constrangida, quando seu exercício implica algum ato cruel e desumano. Carrascos, soldados, juízes não estão livres de lembrarem que habitam uma pele humana, quando se enxergam refletidos nos olhos de suas vítimas.

Há quem lute contra esse sentimento se tornando ainda mais feroz, há quem recue e há quem hesite. São os três sentimentos que se experimentam quando vivemos um desses momentos epifânicos e raros, em que o ser humano é chamado a pensar, corrigir-se, sair do automático, estar presente em sua vida.

batom na estátua
Foto: Joedson Alves/Agencia Brasil

Na última semana, uma cabeleireira que manchou de batom uma estátua, e esteve na Praça dos Três Poderes junto a uma multidão, recebeu um voto de condenação a 14 anos de prisão. O crime de que é acusada chamamos no Direito de “crime impossível”, porque obviamente ela e aquelas pessoas todas não tinham a menor condição de tomar o poder, ainda que assim o desejassem.

Basta não ser um completo idiota para saber que aquelas pessoas foram usadas, seja por quem realmente queria um golpe – teoria encampada pela PGR e que refuto e descredibilizo, por falta de provas -, seja por quem quer condenar a cúpula do bolsonarismo, usando o dia 8 como o ato executivo exigido pela lei para punir Bolsonaro por tentativa de golpe, extirpando do tabuleiro político de 2026 o bolsonarismo.

Como o PT não consegue mais vencer no drible, precisa ganhar por W.O; como não consegue mais vencer o adversário no voto, precisa tirar do adversário a possibilidade de que seja votado. Por isso também a adesão de tantos setores e espectros de esquerda ao que vem fazendo o STF nos últimos anos no Brasil.

Quanto mais fraco o PT, quanto mais fora do jogo Lula, mais forte a esquerda deseja o STF, único capaz de enfrentar o bolsonarismo, antes que ele chegue às urnas para ser votado.

Seja como for, os réus do dia 8 foram usados, ou para Bolsonaro dar um golpe ou para golpear o bolsonarismo. E em uma ou outra hipótese – e, não há outra plausível – a cabeleireira não pode ser condenada por tentativa de golpe.

Os juízes do Supremo Tribunal Federal parecem ser do time dos que num momento epifânico reforçam sua crueldade, tornando-se ainda mais violentos. São os juízes carrascos.

Já a classe de advogados, que se diz garantista, mas que é mais esquerdista que garantista, hesitou e criou uma tese rocambolesca, um malabarismo ridículo, estampando manchetes com a afirmação de que a cabeleireira tentou dar golpe, mas a pena foi excessiva.

Ora, se ela quis dar golpe, não houve excesso, pois a pena para o crime é mesmo essa. E se ela tentou dar golpe, e 14 anos é excessivo, como não se criticam as decisões a respeito dos demais réus, condenados pela mesma razão a penas ainda maiores? São os advogados malabaristas.

E você, quem você é nessa história?

Sobre o autor

André Marsiglia é advogado constitucionalista, especialista em liberdade de expressão. Formado em Direito e Letras pela USP. Mestre e doutorando pela PUC-SP. É fundador do Instituto Speech and Press. Foi consultor jurídico da Repórteres Sem Fronteiras (RSF). É membro da Comissão de Mídias da OAB, da Comissão de Mídia e Entretenimento do IASP e membro julgador do Conselho de Ética do CONAR. Escreve sobre liberdade de expressão e judiciário, sempre às terças-feiras, no Portal GMC Online

As opiniões do colunista não necessariamente refletem a opinião do veículo.

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