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22 de novembro de 2024

O que resta da democracia?


Por André Marsiglia Publicado 03/09/2024 às 14h33
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Foto: Agência Brasil

Giorgio Agamben escreveu um livro sobre o desastre nazista chamado “O que resta de Auschwitz”. Vladimir Safatle e Edson Teles escreveram o livro “O que resta da ditadura”, sobre o desastre do período militar. Talvez seja a hora de escrever sobre o que resta da nossa desastrosa – e desastrada – democracia, já que, ao que tudo indica, estamos entrando em um novo período que de democrático não tem nada.

Uma das diferenças entre democracia e ditadura pode ser percebida a partir do Direito. Nas democracias, o conteúdo é importante; nas ditaduras, o importante é a forma. Nas democracias, os conteúdos das leis e das decisões judiciais são relevantes. Nas ditaduras, os conteúdos das leis e das decisões pouco importam; relevante é a vontade de quem exerce o poder, vestida pela forma.

Nas ditaduras, os tribunais seguem funcionando, as leis seguem vigentes, os juízes fazem seu trabalho, pois é na aparência de normalidade, no envelope proporcionado pela legalidade formal, que tais regimes dão a si próprios legitimidade. As últimas decisões do Supremo Tribunal Federal passaram a tratar com desapego o conteúdo das leis e se valer apenas da forma para justificar suas arbitrariedades. Não é possível acreditar que os ministros concordem que uma rede social ter descumprido ordens deva resultar em prisão do representante legal, que intimar uma empresa pelas redes sociais seja razoável, que suspender o X seja medida proporcional.

As decisões do STF contra o X já não têm mais nada a ver com leis, Direito ou ausência do representante no país. Sejamos sinceros. Não estamos mais no terreno jurídico, não importa mais o conteúdo, o Direito se tornou apenas a forma para que o STF imponha sua vontade suprema. Conduta censória e autoritária compartilhada por parte da imprensa e da população, que entende serem as redes sociais um mal, um polo de extremistas de direita, que precisa ser combatido a qualquer custo. Algo não muito distante do medo dos comunistas comedores de criancinhas, que justificou a ditadura militar dos anos 60 no Brasil.

Não nos esqueçamos de que, sob o pretexto de se combater o “mal”, de quebra, silenciou-se a movimentada praça pública do X, que concentrava críticos dos tribunais e do governo, mensagens da chamada “Vaza Toga”, além de convocatórias para mobilizações pelo impeachment de ministros. Não sei se nos tornaremos um regime ditatorial, mas que sofremos um golpe em nossa democracia, isso sofremos. E demos um belo passo no sentido de nos tornarmos, no mínimo, um regime desagradável, como diria Lula.

Sobre o autor

André Marsiglia é advogado constitucionalista, especialista em liberdade de expressão. Formado em Direito e Letras pela USP. Mestre e doutorando pela PUC-SP. É fundador do Instituto Speech and Press. Foi consultor jurídico da Repórteres Sem Fronteiras (RSF). É membro da Comissão de Mídias da OAB, da Comissão de Mídia e Entretenimento do IASP e membro julgador do Conselho de Ética do CONAR. Escreve sobre liberdade de expressão e judiciário, sempre às terças-feiras, no Portal GMC Online

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