Os isentões que fecham os olhos à anistia
A defesa da anistia para os réus do dia 8 deveria ser uma pauta suprapartidária. Como é possível acreditar que aquelas pessoas tinham condições reais de derrubar o Estado, ainda que quisessem? Devolvê-los à sociedade não é apenas imperativo do bolsonarismo, mas de todos que desejam o restabelecimento do Direito no país, afinal como acreditar na justiça enquanto vandalismo for apenado de forma mais severa que assassinato?
Boa parte da esquerda tem rechaçado a anistia por uma única razão: se admitirem que o dia 8 não foi uma tentativa de golpe, a acusação de que os 34 denunciados, dentre eles Bolsonaro, foram mandantes do crime, cai por terra. Ou seja, para eles, a vida destas pessoas é mero jogo político. Sujo, mas, no Brasil, vale tudo.
O que espanta, no entanto, não é a postura da esquerda, mas daquele a quem costumamos chamar de “isentão”: uma turma que diz ter afeto por valores liberais e conservadores, mas possui um incontrolável nojo estético pelo bolsonarismo. O grande medo do isentão é alguém pensar que ele não é neutro, frio, analítico. Seu terror é ser confundido com bolsonarista. Seu drama não é político, mas estético. Acha-se superior, acredita que bolsonaristas são chucros, ignorantes, incultos. É a turma do charuto cubano ornado com vinho francês.

Sempre que critica uma ilegalidade contra Bolsonaro, sente-se na obrigação de criticar também uma ilegalidade contra Lula; sempre que apoia uma causa da direita, sente-se obrigado a apoiar uma causa da esquerda; sempre que critica o STF, precisa, no dia seguinte, encontrar uma forma de elogiá-lo.
Essa postura moral trôpega, esse andar cambaio e eticamente bêbado, que passeia por editoriais que “mordem e assopram”, perambula por colunas de opinião de jornais “plurais”, acredita que isenção é criticar todo mundo, mesmo que apenas um lado, nesse momento, esteja certo.
Os isentões colocam seu rosto dentro da máscara, sua pele atrás da fantasia e anunciam ao mundo uma neutralidade que é fictícia. Diante do momento de exceção ao Direito que o Brasil vive há seis anos, desde o inquérito das Fake News ter nos colocado sob jugo do STF, assumir uma postura contra o arbítrio da Corte e a favor da anistia às suas vítimas é a única conduta digna possível. Não há outra.
Ser isento diante de um poder abusivo é o mesmo que ser medroso, e isso não se confunde com isenção. Assim como não há isenção em querer ser contraponto aos críticos da Alemanha nazista, ou aos abolicionistas de escravos do século passado.
Sobre o autor
André Marsiglia é advogado constitucionalista, especialista em liberdade de expressão. Formado em Direito e Letras pela USP. Mestre e doutorando pela PUC-SP. É fundador do Instituto Speech and Press. Foi consultor jurídico da Repórteres Sem Fronteiras (RSF). É membro da Comissão de Mídias da OAB, da Comissão de Mídia e Entretenimento do IASP e membro julgador do Conselho de Ética do CONAR. Escreve sobre liberdade de expressão e judiciário, sempre às terças-feiras, no Portal GMC Online
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