O rumo da Gestão e da Política Cultural nos períodos de crises

Historicamente, a sociedade incutiu-se no mais absoluto transcurso para superar crises. Com a escassez alimentar, desenvolveu-se a agricultura; para impor controles sociais, institucionalizaram-se as religiões; para ampliação territorial, anunciaram-se conflitos; para formalizar limites, estabeleceram-se regimes políticos. Enfim, a crise vem nos pautando há muito tempo, embora, sob outra ótica, seus elementos essenciais estejam se modificando drasticamente.
A sociedade brasileira, seja por desconhecimento ou por indução da massa midiática, vem utilizando, especialmente nas últimas duas décadas, a palavra “crise” com maior frequência. Seja pela “liberdade” conquistada com a queda do regime ditatorial em 1984, o cidadão parece ver na crise um problema resultante de questões recentes e não se atreve a propor uma análise de situações, que podem ou não, ser endêmicas no país.
Tomemos como exemplo as crises financeiras do final da década de 1980, as incontáveis crises políticas da década de 1990 e, para não se estender, as mais recentes crises relacionadas à casos de corrupção ativa e passiva. Em todos os casos, sem exceção, a palavra crise ganhou destaque em detrimento do problema central de cada questão. É a obra galgando maior mérito do que aquele(s) que a concebeu(ram), assim como na literatura de Frankenstein, onde sua autora, Mary Shelley, tende a ser lembrada em segundo plano.
Mesmo com várias formas de interpretação etimológicas, o sociólogo Michel Maffesoli dá sua versão para a palavra crise:
[…] eu diria que, por meio desse termo, expressa-se a necessidade do retorno periódico “ad integrum”, retorno aos fundamentos, aos fundamentais. Em certos momentos, uma sociedade não tem mais consciência daquilo que a mantém unida e, a partir daí, ela não tem mais confiança nos valores que garantiam a solidez do vínculo social.
Esse conceito se faz fundamental para compreender as diferentes crises superadas, ou que ainda estejam em etapa de enfrentamento, como a covid-19, pela gestão e pela política cultural brasileira. Para além de limitação orçamentária em todas as esferas e nas instituições – que tende a ser pauta primeira nos problemas destacados pelos gestores culturais -, há, antes de tudo, a premência de se buscar um regresso ao bruto, ao básico, à necessidade primeira dos agentes da cultura. Nesse aspecto, outro elemento entra em jogo, podendo ser transformado em peça central das mutações que a sociedade vem sofrendo a partir de novas propostas, exclusivamente, culturais.
[…] é preciso criar um laboratório de ideias não mais focado sobre a economia e a dimensão política, mas naquilo que constituiu o lençol freático de toda a vida social: o imaginário, cimento autêntico do estar junto.
Com tal afirmação, passamos a não limitar a crise cultural ao âmbito das políticas e da situação econômica, que são traumas perenes não só da sociedade brasileira. Entra em cena o imaginário, elemento que é a força motriz da arte e da cultura.
Ainda, para acompanhar o fluxo das mudanças no contexto artístico-cultural, vale-se do retorno ao que fundamenta o vínculo social, conforme destacou o filósofo Jesús Martín-Barbero, de que a sociedade continua em mutação junto de suas instituições, sendo ela o resultado de crises de seus elementos essenciais, o que se apresenta como fundamental para entender como se dão (e se darão) os fenômenos de migração, conexões e intercâmbios entre as culturas.
