17 de agosto de 2025

Constrangido no sebo


Por Victor Simião Publicado 24/07/2025 às 18h31
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Foto: Arquivo Pessoal

Descobri que existiam sebos de uma maneira peculiar. Ao viver minha maior desilusão amorosa da vida, então com 12 anos, minha recém ex-namorada disse que venderia todos os livros do Ary Toledo que eu havia dado a ela.

– Nunca mais quero saber de piada de papagaio, de loira, de português!
– Mas você gostava tanto daquela do Manuel e os dois fregueses na padaria!
– Adeus, Victor!

Perguntei a minha recém ex-sogra onde as coletâneas tinham ido parar. Nos sebos, ela me disse, e eu até então não fazia ideia de que livros de segunda mão eram revendidos em espaços com esse nome.

– Soa meio ofensivo esse nome, né?
– Victor, ofensivo é o meu nome. Sebo é até bonito.
– Você tem razão, Rogislaina.

À procura do Ary Toledo perdido, encontrei um mundo. É isso que os sebos são para mim. Sempre que viajo e posso, vou a esse tipo de loja, não importa onde, seja na Cidade do Cabo, em Porto Velho ou Paris. E eu sempre encontro algo, nem sempre do mestre do humor.

Dias atrás, num sebo aqui de Maringá, qual não foi a minha surpresa ao ver que um livro que eu havia dado de presente estava ali, à disposição, por R$ 10. Ok, o sistema é capitalista, a obra talvez não fosse tão boa quanto o “As 100 melhores de português” do Ary Toledo, mas, de alguma forma, fiquei ofendido, constrangido. Principalmente porque eu havia dado, era um presente, e tinha uma dedicatória:

“À fulana de tal, que acabou de chegar. Que você conheça a cidade a partir da nossa história. E obrigado por dizer que ama livros. E por dizer que nunca venderia um exemplar ganhado de presente. Victor”.

Assumo que talvez uma das partes dessa dedicatória eu tenha inventado. Mas percebi que não estava pronto para encontrar minhas próprias dedicatórias por aí. Que a pessoa tivesse arrancado a página com a dedicatória, como fazem alguns dos meus amigos.

Um chegado meu, com mania de perseguição, quando leva livros ao sebo, não só arranca a página com a dedicatória como a guarda consigo mesmo:

– Nem pro lixo vai. Se acharem, vão saber que vendi um presente.

Outro passa um errorex sobre o próprio nome – que facilmente pode ser lido à contraluz! Eu sei disso porque, ao ver o livro que eu me lembrava que poderia ser desse amigo, abro e vejo a marcação branca, seca, e, ao colocar diante de uma lâmpada, bingo!, o nome dele por lá.

Tenho amigos escritores. Sempre que vejo os livros deles nesses espaços, abro para encontrar, quem sabe, uma dedicatória. Se encontro, tiro foto e guardo. Em uma eventual briga futura, terei minhas armas pois sei que eles são sensíveis e nunca querem ser abandonados:

– Victor, você é um babaca!
– Mas e você que autografou um livro e mesmo assim foi deixado de lado? A Júlia não gosta de você, pelo visto.

Quanto aos livros dados a minha ex-namorada, eu os encontrei no sebo da Getúlio Vargas. Fiquei triste ao abrir um deles. O errorex fora passado onde estava a dedicatória. Aí, claro, joguei contra a luz e revi o que eu escrevera: “Eu nunca pensei encontrar alguém como você nesses meus 12 anos de vida. Obrigado por tudo”.

Eu quase chorei. Só não caiu nenhuma lágrima porque, ao virar a página, encontrei aquela piada clássica: “Manuel recebeu dois fregueses na padaria…”.

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Victor Simião, 31, é jornalista e sociólogo. Ele fala sobre livros na rádio CBN Maringá e pode ser encontrado ou no Instagram ou pelo e-mail victorsimiao1@gmail.com

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