Uma breve conversa sobre gostar de música
Acho estranho quem não gosta de música. Digo, eu não conheço necessariamente alguém que não goste, mas conheço muita gente para quem a música não faz diferença. Gente que não tem banda preferida, música preferida. Gente que, quando questionada, diz que é muito difícil escolher uma só. Normalmente, esse tipo de pessoa ou não tem filho ou só tem um filho. Explico: é que quem tem mais de um filho sabe escolher qual é o preferido.

(Se você que estiver lendo tem um irmão/irmã saiba: ele/ela é o/a preferido/a. Se não acredite em mim, faça o teste com os seus pais, mas não fique triste com a resposta!)
Sou uma pessoa que não consegue viver sem música. Em razão disso, percebi que parte das minhas relações sociais só ocorre por causa dela. Sim, sou empolgado quanto ao tema. Com os meus amigos, colegas de trabalho e afins, falo muito sobre Raça Negra, Bob Dylan, Racionais, Beatles, Beth Carvalho, Paulinho da Viola, entre outros. Quem é próximo já deve ter me ouvido discorrer horas e horas sobre esses artistas – sempre com uma informação aleatória, como a de que o Luiz Carlos, do Raça Negra, antes de ser famoso, trabalhou na Folha de S. Paulo.
Alguns amigos brincam comigo. Dizem que eu gosto tanto de música que já até namorei uma, e é verdade. Ela era guitarrista de uma banda de rock que teve sucesso no sul do Brasil. Sabendo de todo meu desejo pelo assunto, ela disse, certa vez, que eu poderia cantar em um show do grupo.
– Todo mundo vai ver sua paixão por música, Vi! – ela falou enquanto me abraçava.
Estava tudo certo, não fosse um ensaio um dia antes do show. Os planos foram alterados após minha namorava ter me visto cantando.
– Vamos deixar essa paixão guardada! – ela disse enquanto tirava o microfone da minha mão. A gente se lembra disso e dá risada até hoje. Ela diz ser muito grata porque, comigo, aprendeu a ouvir Bob Dylan, enchendo o coração dela de poesia. E eu digo a ela que sou muito grato porque, com ela, evitei montar um grupo em que seria o vocalista e encheria os ouvidos das pessoas com minha voz desafinada.
Fato é que não há um dia em que eu não ouça música. Nos últimos, acordo cedo e coloco “False Prophet”, do Bob Dylan, para tocar na Alexa. Antes de dormir, ouço um ou outro álbum inteiro. O de ontem, por exemplo, foi o ótimo “Fruto Proibido”, da Rita Lee.
Tenho frases de música na cabeça para situações complexas. Uma amiga entrou no doutorado e, tendo de apresentar um seminário, disse que não queria trabalhar nem com as pessoas que estavam com ela, nem com o tema que havia sido sorteado. Tentei consolá-la:
– É aquilo que o mestre Chorão já dizia sobre as dificuldades da vida: “às vezes faço o que quero/ às vezes faço o que tenho que fazer”.
Na graduação em ciências sociais, numa prova, uma questão pedia para que fosse descrito o surgimento dos estados nacionais a partir de ideias e de autores trabalhados em sala de aula. Capciosamente escrevi que “Eu não estou interessado em nenhuma teoria/ em nenhuma fantasia e nem no algo mais”. A professora, também capciosamente, me deu 0, mas disse ter sentido orgulho de eu tê-la feito se lembrar de Belchior.
Não dá para negar que a música me rendeu boas histórias, né? Acho que a mais recente aconteceu dias atrás. Num Uber, o motorista me falou que era um músico frustrado. Ele disse ter tentado ter grupo de brega, samba, pagode, rock. Segundo esse nosso amigo, tudo deu errado porque lhe roubaram uma ideia. Sendo o cantor do grupo, o sonho dele era ser conhecido como Wesley Safadão.
– Mas já existe um Wesley Safadão, não? – eu falei.
– Então, eu não disse que roubaram a minha ideia?
Achei estranho, mas segui a conversa. Perguntei, então, quais eram os planos futuros. Ele disse que estudava, primeiro, qual seria o nome artístico.
– Ou Elton John ou João Gomes. Me soam altamente vendáveis.
Pensei em alertá-lo quanto a essas escolhas, mas não deu tempo porque cheguei ao meu destino. Ao descer do carro, o futuro artista nacional se despediu dizendo “tchau, Renato Russo”. Como fiquei espantado, ele tentou remediar:
– Não se chateie e nem me odeie, por favor. Eu acho que tenho algum tipo de distúrbio.
Talvez ele até tenha, mas, sinceramente, eu não me chateei e nem tive ódio – até porque é preciso amar as pessoas como não são houvesse amanhã.

Victor Simião, 30, é jornalista e sociólogo. Ele fala sobre livros na rádio CBN Maringá e pode ser encontrado ou no Instagram ou pelo e-mail victorsimiao1@gmail.com