A escalada dos aluguéis: quando os índices não explicam toda a história
Qualquer brasileiro que já alugou um imóvel conhece a temida sigla IGP-M. É ela que aparece nos contratos de locação como justificativa para reajustes anuais, muitas vezes “incompreensíveis” para quem apenas quer um lugar para morar. Criado pela Fundação Getúlio Vargas em 1989, o Índice Geral de Preços do Mercado tornou-se o termômetro oficial dos aluguéis brasileiros, mesmo sendo originalmente pensado para medir a inflação geral da economia.

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Existe, porém, outro indicador que poucos conhecem, mas que oferece uma visão mais precisa do mercado de aluguéis: o FipeZAP. Criado pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas da USP em parceria com o portal ZAP Imóveis, este índice acompanha especificamente o que acontece com os preços dos imóveis, analisando milhares de anúncios reais de venda e locação todos os meses. Enquanto o IGP-M reflete a economia como um todo, o FipeZAP apresenta outros fatores que influenciam os preços dos imóveis. Na figura 01 podemos analisar os diferentes índices que medem o aluguel no país.

Fonte: Fundação Getúlio Vargas (FGV) e Fundação Instituto de Pesquisa Econômica (FIPE). Elaboração própria. Nota: O índice FipeZAP refere-se aos índices de venda e locação residencial, os resultados acompanham os preços de apartamentos prontos em até 56 cidades, incluindo 22 capitais.
A diferença conceitual é fundamental. O IGP-M é um índice geral de preços que combina atacado (60%), varejo (30%) e construção civil (10%), sendo altamente sensível às variações cambiais e preços de commodities. Assim, uma alta do dólar tende a se refletir quase de imediato no IGP-M, via repasse cambial e preços de commodities. Já o FipeZAP nasce da análise direta de anúncios imobiliários, capturando movimentos reais do mercado habitacional através de metodologia que acompanha preços praticados nessas transações.
Esta distinção metodológica gera consequências práticas significativas. Por exemplo, em 2020 o IGP-M explodia em 23,14% – reflexo da disparada do dólar durante a pandemia –, o FipeZAP de locação registrava modesto 2,48%. Para inquilinos cujos contratos seguiam o IGP-M, significou reajustes brutais que não refletiam a realidade do mercado de aluguéis, que na verdade estava desaquecido devido à crise econômica.
O uso do IGP-M nos contratos de locação revelou uma característica problemática: a assimetria nos reajustes. Enquanto a legislação permite que proprietários apliquem integralmente os aumentos do índice após 12 meses, não há obrigação equivalente de reduzir aluguéis quando o IGP-M apresenta queda. Como muitos contratos preveem “piso zero” (ou não contemplam reduções), em 2023, apesar do IGP-M acumulado de −3,18%, os aluguéis em geral foram mantidos e não reduzidos.
O FipeZAP funciona de forma completamente diferente do IGP-M. Em vez de medir a economia geral, ele acompanha milhares de anúncios reais de imóveis publicados mensalmente em plataformas digitais. Os dados são tratados estatisticamente conforme área, localização e tipo do imóvel, oferecendo um retrato fidedigno do que realmente está acontecendo no mercado imobiliário. Esta diferença metodológica ficou evidente em 2022, quando os aluguéis explodiram nacionalmente e o FipeZAP registrou alta de 16,55%, enquanto o IGP-M marcou apenas 5,45%. Pela primeira vez, o índice específico do setor superou amplamente o índice de preços da economia, sugerindo que o mercado imobiliário estava vivendo uma realidade própria, descolada da inflação geral.
A escalada dos preços dos aluguéis no Brasil desafia explicações simples e não pode ser reduzida apenas à especulação imobiliária ou ao comportamento dos índices tradicionais. Trata-se de um fenômeno multifacetado que combina fatores demográficos (migração acelerada para os grandes centros urbanos), tecnológicos (popularização do home office), financeiros (entrada de fundos imobiliários pressionando o setor), regulatórios (zoneamentos restritivos limitando a oferta) e macroeconômicos (política de juros baixos até 2021 direcionando capital para imóveis). O IGP-M, focado em atacado e commodities, simplesmente não captura essa complexa rede de variáveis urbanas e sociais que realmente determinam onde as famílias conseguem – ou conseguirão – morar.
Por trás desta disputa técnica entre índices, esconde-se questão social fundamental: o direito à moradia digna e acessível. Quando reajustes se descolam da realidade econômica das famílias, transformam habitação de necessidade básica em “privilégio habitacional”. Os dados nos últimos anos apontam que aluguéis (conforme o índice FipeZAP) crescem sistematicamente acima da inflação, criando pressão crescente sobre a renda dos brasileiros.
