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08 de maio de 2024

O dia internacional do número π


Por Prof. Doherty Andrade Publicado 12/03/2024 às 09h15
 Tempo de leitura estimado: 00:00

Anualmente na data de 14 de março o mundo comemora o dia internacional do número π, pois 3/14 nos formatos de data utilizados em alguns países, como nos Estados Unidos, contém os três primeiros dígitos de π. Este dia é uma oportunidade para apreciar e celebrar a importância desta constante na matemática e em diversas áreas da ciência e engenharia. Vamos então aproveitar essa data para falarmos um pouco do que se sabe sobre este número tão importante.

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Foto: O autor

O primeiro contato dos estudantes com essa constante ocorre já nos anos iniciais de escolarização nas aulas de Geometria com o cálculo do comprimento da circunferência ou com o cálculo da área do círculo. Ele era obrigatório nas fórmulas, mas sem explicação alguma. Parecia um número mágico, mas não é. O número π é uma constante matemática que representa a razão entre o comprimento de qualquer circunferência e seu diâmetro. O fato impressionante é que não importa o tamanho do raio da circunferência, a razão entre o comprimento e seu diâmetro resulta sempre no mesmo valor π, cujo valor numérico é aproximadamente 3,14159.

Em 1706 Willian Jones, matemático britânico, foi o primeiro a usar a letra grega π para representar este número porque a palavra perímetro, em grego, inicia-se com essa letra. Este símbolo foi adotado por grandes matemáticos como, por exemplo, Euler que o popularizou.

Quantas casas decimais tem?

Encontrar o valor exato do número π, além de ser um desafio, sempre foi um mistério e que despertou grande fascínio nas pessoas de muitas civilizações, antigas e modernas.

Antes de tudo, é crucial ressaltar que π não pode ser representado de forma decimal com uma quantidade finita de casas decimais. Esta impossibilidade decorre do fato de que, aproximadamente em 1765, Johan Lambert demonstrou a irracionalidade de π, ou seja, ele não pode ser expresso como uma fração com numerador e denominador sendo números naturais. Consequentemente, nenhuma expressão decimal, por mais extensa que seja, pode capturar com precisão o valor de π.

Examinemos algumas aproximações distintas utilizadas ao longo dos séculos para representar π. Por volta de 1650 a. C o papiro de Rhind, do Egito antigo, apresentava um procedimento para calcular área de um círculo. Nele aparece o valor como aproximação para π o que é aproximadamente 3,16.

Por volta de 240 a. C. Arquimedes mostrou que π está entre 3 e . Portanto, dentro do intervalo de 3,14085 a 3,14286.

Em 1873 Willian Shanks da Inglaterra calculou a mão um valor decimal aproximado para π com 607 casas. Ele levou mais de 15 anos nesse trabalho. Os algarismos depois da posição 527 estavam errados.

Em 1949, John von Neumann realizou um feito notável ao calcular, utilizando o computador Eniac do governo americano, uma aproximação decimal para π com precisão de 2035 casas decimais em apenas 70 horas. Este marco representou um avanço histórico na era dos primórdios da computação, destacando a impressionante capacidade computacional do Eniac e revelando novas possibilidades para a obtenção de valores matemáticos com uma precisão nunca antes imaginada.

Recentemente, em 1987 o professor Yasumasa Kanada, da universidade de Tóquio, calculou um valor decimal aproximado para π com 134.217.000 casas em um super computador NEC SX-2. Em março de 2019, Emma Haruka Iwao da Google, calculou o valor de π para 31,4 trilhões de dígitos, usando 170 TB de dados. O cálculo envolveu um programa chamado y-cruncher e foi realizado em mais de 25 máquinas por 121 dias.

Em agosto de 2021, após mais de 108 dias de trabalho, alunos da Universidade de Ciências Aplicadas dos Grisões, na Suíça, quebraram o recorde de cálculo π. A nova aproximação para o número π possuía 62,8 trilhões de dígitos. O recorde anterior pertencia a Timothy Mullican, que em janeiro de 2020 calculou 50 trilhões de casas decimais, superando Emma Haruka Iwao, da Google, que como vimos alcançou 31,4 trilhões de dígitos.

Em junho de 2022, Emma Haruka Iwao e o grupo Google Cloud, conseguiram mais um recorde: 100 trilhões de dígitos do π. Esta é a segunda vez que o Google Cloud calculou um número recorde de dígitos para essa constante matemática.

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Foto: O autor

Esta corrida continuará para além dos dias atuais obtendo-se cada vez mais casas decimais. Hoje sabemos, como vimos acima, que nenhum destes valores é o valor exato de π. Isso porque π é número irracional, portanto, não admitindo representação por meio de uma fração com numerador e denominador sendo números naturais.

Como o número π é irracional, nós utilizamos em nossos trabalhos, dos mais simples aos mais complexos, apenas algumas poucas casas decimais suficientes para garantir a precisão esperada no resultado final. Na escola o valor aproximado serve para a maioria dos problemas. Já para calcular rotas de navegações interplanetárias, a NASA utiliza π  com 15 casas decimais.

Por que essa corrida por records?

Então, por que buscamos incessantemente aproximações cada vez melhores? A resposta a essa indagação não é simples. Podemos ser impulsionados pela curiosidade, pelo desejo de superar desafios, pelo simples prazer do passatempo, ou até mesmo pela simples razão de que podemos fazê-lo. Como matemático, eu gosto de acreditar que a matemática oferece um conjunto vasto de ferramentas e resultados disponíveis, muitos dos quais ultrapassam as percepções das pessoas comuns. Esses resultados estão lá aguardando um estudioso pra usá-los.

Assim, acredito que, a qualquer momento, os 100 trilhões de dígitos conhecidos do número π podem se revelar úteis em alguma aplicação importante. Talvez pudéssemos, por exemplo, no futuro, encontrar maneiras de utilizar parte desses dígitos como chaves para senhas e assim, substituir o processo de criptografia RSA hoje vigente.

Já existe há algum tempo uma aplicação criativa que envolve música. Nesta aplicação, que envolve matemática e arte, os dígitos do número π foram utilizados para criar música em uma prática conhecida como “pi-music” ou “pi-ano”. Essa abordagem envolve a atribuição de notas musicais aos dígitos de π e, em seguida, a criação de sequências musicais com base nessas associações. Uma simples busca no Youtube possibilitará um bom passatempo musical.

Podemos também incorporam regras adicionais, como a duração das notas, o ritmo e outros elementos musicais, para tornar a composição mais interessante e coesa. Alguns entusiastas da matemática e músicos têm explorado essa interseção, resultando em composições que refletem as sequências aparentemente aleatórias dos dígitos de π de maneira musical. Essa abordagem lúdica destaca a versatilidade e a aplicação criativa da matemática em diversas áreas, incluindo as artes. Veja um exemplo musical abaixo:

Aspecto sagrado

Ao longo da minha trajetória acadêmica, tive contato com experiências verdadeiramente singulares, especialmente em relação ao intrigante número π. Uma dessas memórias notáveis envolveu um aluno extraordinário, com apenas cerca de 9 anos de idade, considerado prodígio e apaixonado pelo fascinante mundo do π. Em um encontro conduzido por sua professora, ela o incentivou a me questionar sobre tudo o que desejasse saber acerca desse número peculiar.

As perguntas desse jovem prodígio surgiram de maneira incessante: “O π tem fim? Se não existisse o número π, tudo no mundo seria quadrado?” e diversas outras indagações curiosas. Particularmente, acredito que sem o número π, o mundo assumiria uma forma predominantemente quadrada, dado que essa constante emerge naturalmente em tudo que possui formato circular ou oval. No entanto, admito minha limitação em demonstrar matematicamente essa afirmação, uma questão que, por sua vez, se relaciona com a própria criação do mundo. Infelizmente não temos uma resposta pra essa pergunta.

A admiração por esse aluno brilhante só cresceu ao longo do tempo. Em uma ocasião descontraída, enquanto explorávamos o universo do π no computador, calculamos surpreendentes 5 mil casas decimais desse número. Em seguida, transformamos essa sequência numérica em uma verdadeira obra de arte, emoldurando-a em um belo quadro, o qual o aluno orgulhosamente pode levá-lo e pendurar em sua casa. Essas histórias, além de divertidas, evocam emoções marcantes e reforçam a beleza da aprendizagem e da paixão pelo conhecimento.

Falando no aspecto sagrado, não posso deixar de mencionar Srinivasa Ramanujan. Ele foi um matemático amador indiano que fez descobertas interessantes para representar o número π como soma infinita (série numérica). Ele afirmava que suas descobertas matemáticas eram inspiradas por uma deusa hindu chamada Namagiri Thayar. De acordo com relatos, Ramanujan acreditava que suas fórmulas e resultados matemáticos eram revelados a ele em sonhos pela deusa. Essa dimensão mística e espiritual na vida de Ramanujan é fascinante e, provavelmente única na história da matemática. Muitos dos resultados que ele apresentou eram inicialmente desconhecidos para a comunidade matemática da época. Essas afirmações podem ser encontradas em várias cartas e manuscritos de Ramanujan.

Apesar de sua falta de formação acadêmica formal em matemática e do caráter não convencional de suas abordagens, muitas das fórmulas de Ramanujan foram posteriormente verificadas e incorporadas à matemática formal. Suas contribuições foram reconhecidas e incorporadas à teoria dos números e à análise matemática. O aspecto espiritual na vida e no trabalho de Ramanujan, em especial a cerca do número π, adiciona um aspecto místico e amplia a diversidade de fontes de inspiração para as descobertas científicas.

No Dia Internacional do Número π, minha intenção foi proporcionar ao leitor uma experiência divertida e repleta de curiosidades sobre essa constante tão intrigante. Essa constante sempre esteve presente, embora implicitamente, nas formas arredondadas da natureza e em algum recanto do conhecimento, aguardando ser explorada. A busca por mais dígitos seria o único grande mistério que temos que revelar? Ou será que não? A beleza reside na incerteza, na dança entre o mistério e as descobertas que o número π nos convida a desvendar.

Pauta do Leitor

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