Resenha: O Som do Silêncio
A cena inaugural de “O Som do Silêncio” apresenta sem cerimônias o seu protagonista, Ruben, fazendo o que faz de melhor: estourando as baquetas nas caixas e pratos de uma bateria acústica enquanto se apresenta no palco com a namorada Lou, vocalista de sua banda de heavy metal. O jovem casal vive em um trailer, que percorre diversas cidades onde eles organizam shows de rock. Esse mesmo trailer é que vai, como um plano dos dois para o futuro, levá-los a uma turnê musical pelo sul dos Estados Unidos.
No entanto, vítima das rasteiras da vida, os sonhos de Ruben são despedaçados quando ele começa a perder a audição de forma gradativa até ficar completamente surdo.
O olhar sensível de Darius Marber, surpreendente por se tratar de um diretor estreante, mostra vários sinais de maturidade no condução de “O Som do Silêncio”, e uma delas é apresentar a surdez como um incidente possível de acometer qualquer pessoa, em vez de uma tragédia ou uma deficiência. Marber felizmente não contamina a trama, naturalmente dramática, com tristeza profunda ou sentimento de luto.
A saída inteligente que o cineasta encontra para mostrar a gravidade do ocorrido é transferir ao espectador a angústia do personagem central, nutrindo um exercício sensorial impressionante com a modulação sonora do filme. Em certas passagens, Marber coloca o público na pele de Ruben e passamos a ouvir os ambientes como se fôssemos o protagonista, com ruídos e limitações. Além da marcação da câmera, essa “troca de papeis” é bem sucedida graças à excepcional elaboração sonora do filme, enriquecida com efeitos de som complexos e um rigoroso trabalho técnico que engrandece a experiência.
É válido destacar a ótima montagem de “O Som do Silêncio”, assinada por Mikkel E.G. Nielsen, que, entre outros acertos, atribui diferentes perspectivas para a mesma cena, revezando momentos com barulhos diegéticos e outros silenciosos. Essa alternância do som no filme é orquestrada com maestria, e se revela eficiente no propósito de colocar quem acompanha a história na condição dos seus personagens.

No papel principal, o britânico Riz Ahmed está excelente. É muito bonita a construção do ator para Ruben, um rapaz que foi apunhalado pelas circunstâncias e busca meios para recuperar a audição. Sem querer soar “amigável” ao público, rejeitando qualquer sentimentalismo ou tentativa de autoaceitação, o protagonista emociona com a sua trajetória, e Ahmed é muito habilidoso em comunicar toda a impaciência, desespero e, posteriormente, conformidade de Ruben através de seu olhar e comportamento.
Igualmente feliz em suas escolhas é Paul Raci, que rouba a cena com uma interpretação contida que deve muito às expressões do ator e à sua habilidade com língua de sinais. Como a namorada do protagonista, talvez o ponto mais emotivo do longa, está a ótima Olivia Cooke, a quem Ruben sente gratidão e encontra companheirismo, apesar dos pesares. A propósito, que bom estar diante de um filme que não precisa recorrer a vilanices para carregar a tinta da dramaticidade.
Pois não há espaço para esse tipo de obviedade em “O Som do Silêncio”. Nem piedade ou sombras de coitadismo. Aqui temos um belo retrato sobre adaptação, além de um projeto respeitoso que presta solidariedade à comunidade surda como poucas vezes presenciamos no cinema.
“O Som do Silêncio” está disponível no streaming da Amazon Prime.

