Nós usamos cookies para melhorar a sua experiência em nosso site, personalizar publicidade e recomendar conteúdo de seu interesse. Ao acessar nosso portal, você concorda com o uso dessa tecnologia. Saiba mais em nossa Política de Privacidade.

08 de dezembro de 2025

O prato do trabalhador e o lucro das operadoras


Por Jeferson Cardoso Publicado 12/11/2025 às 11h46
Ouvir: 00:00

O recente decreto que altera as regras do benefício de alimentação previsto no Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT) traduz‑se numa mudança estrutural relevante para o mercado brasileiro de vales‑refeição e alimentação. Trata‑se de um programa criado com finalidade social, garantir alimentação adequada para o trabalhador formal que, ao longo dos anos, também se transformou numa cadeia de intermediação financeira: para o trabalhador muitas vezes nada muda no valor ou condição do benefício, mas para quem gerencia o cartão, para quem o aceita e para quem o compra (empresa) o ambiente se altera.

f9fa0fd0-faac-44b6-a17a-49d66a875e46
Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil/Arquivo

Para o trabalhador, em termos práticos imediatos, o cenário permanece praticamente inalterado: o valor do benefício continua sendo definido pela empresa, permanece destinado ao consumo de alimentação ou refeição, e não integra salário nem pode converter‑se em uso diverso. O que muda, ou ao menos se espera mudar, é a usabilidade: como a medida introduz um teto para taxas cobradas dos estabelecimentos (MDR até 3,6 %) e o prazo para repasse aos comerciantes de até 15 dias, abre‑se a perspectiva de que mais estabelecimentos passem a aceitar o benefício, e com menores custos para eles. Em suma: o trabalhador pode esperar uma rede mais ampla de aceitação e potencial melhora no acesso, mas não aumento do valor ou mudança de direito.

Para a empresa empregadora que oferece o benefício, pouca alteração se impõe em termos de dispêndio direto, dado que o valor do benefício não mudou por este decreto. Contudo, as empresas precisam ajustar contratos com operadoras, reavaliar cláusulas de taxas, prazos e aceitação de rede de benefícios, uma vez que o mercado passa a ter novas regras e exigências de interoperabilidade. Logo, embora o custo imediato possa não variar, há esforço administrativo envolvido, e nos próximos ciclos financeiros pode haver renegociação ou alteração das parcerias.

Para os estabelecimentos, restaurantes, padarias, mercados as mudanças são talvez mais impactantes. Até agora muitos deles pagavam taxas elevadas (relatos indicam que o custo de aceitação de cartão‑vale chegava a quase 8 %, segundo reportagem da Reuters, num mercado que movimenta cerca de R$ 170 bilhões por ano. Comparativamente, cartões de crédito e débito têm taxas substancialmente inferiores. Sob o novo cenário, com teto de 3,6 % e repasse em até 15 dias, o custo de aceitação tende a cair, o que pode tornar o benefício mais atraente para os comerciantes e, por consequência, ampliar a aceitação. Em termos de lógica de mercado, reduz‑se a intermediação e aproxima‑se o benefício de uma movimentação mais direta. Ainda assim, isso significa que os estabelecimentos que antes negociavam sob condições desfavoráveis terão de se adaptar, integrar mais bandeiras, maquinárias, sistemas de aceitação que permitam a interoperabilidade, o que gera custo e exigência de adaptação.

Para as operadoras de vale‑refeição e alimentação, que há décadas se beneficiavam de taxas elevadas, prazos mais longos e barreiras de aceitação de bandeira, o decreto representa um choque de estrutura: o teto de taxas, a exigência de interoperabilidade entre bandeiras em até 360 dias, e o menor prazo de repasse modificam o modelo de negócio. Tais empresas operam com margens que, dados recentes, revelam a rentabilidade desse segmento. Por exemplo, a Alelo registrou lucro líquido de R$ 396,9 milhões em 2024 no Brasil. A Edenred, controladora internacional da marca Ticket, informou que sua operação no Brasil representa cerca de 9,5 % de sua receita global em 2024. Isso dá ideia de escala e importância. Dado o volume do mercado brasileiro (≈ R$ 170 bilhões/ano) e as taxas que vinham sendo cobradas, fica claro por que o governo considerou necessário intervir. A pressa regulatória decorre de dois objetivos principais: ampliar a concorrência (até então concentrada em quatro grandes grupos que controlavam cerca de 80‑85 % do setor) e reduzir o custo de intermediação para que o benefício realmente chegue com mais eficiência às pontas ao trabalhador e ao comerciante.

Assim, a expectativa do governo é dupla: (1) dar maior poder de escolha e liberdade ao trabalhador, com mais aceitação e menor custo de aceitação para os comerciantes; (2) conter a “renda de intermediação” excessiva que o setor vinha capturando, e incentivar que esse dinheiro volte à economia real ao prato do trabalhador e ao caixa do comerciante, em vez de se diluir em taxas mais elevadas e prazos maiores. A meta, portanto, não se refere a alterar o valor do benefício, mas a reduzir o custo do sistema e a descentralizar‑lo.

É importante notar que embora o valor do benefício e as regras de utilização para o trabalhador permaneçam os mesmos, essa reforma exige adaptações: contratos de operadoras, sistemas de aceitação de estabelecimentos, renegociação e potencial competitividade maior entre operadoras, o que pode gerar ganhos de eficiência, porém também exigirá que as empresas e os comerciantes façam investimentos em adequação. Para o empresário que concede o vale, isso demanda atenção jurídica e operacional.

Em última análise, o decreto representa uma correção relevante: o benefício social não se altera para o trabalhador, mas o ambiente de intermediação e aceitação muda substancialmente. Em vez de o dinheiro do trabalhador fluir majoritariamente para estruturas de intermediação que cobravam taxas elevadas e prazos longos, o sistema passa a exigir que essas intermediações sejam mais baratas, mais rápidas, mais abertas. Se funcionar como projetado, poderá ampliar a aceitação, reduzir custos para o comércio, e melhorar a eficiência de todo o programa e ainda que o valor oferecido ao trabalhador não suba, o valor percebido aumenta: mais locais aceitando, menor custo implícito e menos burocracia.

Pauta do Leitor

Aconteceu algo e quer compartilhar?
Envie para nós!

WhatsApp da Redação