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03 de janeiro de 2025

Crônica de uma morte anunciada, ou como perdi meu pai após um AVC


Por Wilame Prado Publicado 31/12/2024 às 15h05
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Perdi meu pai para um Acidente Vascular Cerebral (AVC) no ano de 2007. Ele só tinha 49 anos de idade, mas fazia uso intenso de álcool e tabaco desde muito jovem. Sedentário, com sobrepeso e cercado pelo estresse numa rotina de bancário e empresário no ramo dos seguros, ele já era diagnosticado como hipertenso, assim como os pais dele e irmãs.

cérebro avc
Foto: Ilustrativa/Freepik

Hoje, o popular “Derrame” já mata mais que infarto no País. Até agosto de 2024, 50.133 brasileiros foram vítimas de um AVC, de acordo com o Portal da Transparência do Centro de Registro Civil. Quando perdi meu pai, eu tinha 21 anos de idade e sofri muito com a perda precoce dele.

Só que todos nós, familiares, e amigos, já sabíamos que ele partiria cedo deste plano terrestre. Ele não se cuidou e o cotidiano dele, em seus últimos anos de vida, pode ser traduzido com um dos títulos do escritor colombiano Gabriel García Márquez: “Crônica de Uma Morte Anunciada”.

O médico neurologista Gabriel Bortoli explica que a história do meu pai não é nada inédita. Ele não será o primeiro nem o último a morrer por conta de um AVC em virtude dos hábitos de vida conciliados com fatores hereditários.

“No caso do seu pai, existiam fatores de risco combinados, como o consumo de álcool, tabagismo e predisposição genética, aumentando significativamente o risco de AVC. Embora os fatores genéticos sejam imutáveis, mudanças no estilo de vida e acompanhamento médico poderiam ter reduzido o risco”, diz o médico, que é preceptor da residência de Neurologia do Hospital das Clínicas.

Meu pai ficou internado 18 dias no Hospital Municipal do Tatuapé – Dr. Cármino Caricchio, em São Paulo (SP). Ele sofreu um AVC hemorrágico severo quando estava sozinho em um quarto de pensão. Foi encontrado desacordado por vizinhos. Quando consegui visitá-lo no hospital, já era tarde demais. A bochecha dele estava inchada, parecia um sapo, entregue aos malefícios do massacrante mal que consiste no derramamento de sangue na região do cérebro após rompimento de vaso sanguíneo.

Em coma, não respondeu às minhas súplicas na cama do hospital. Eu falei que cuidaria dele mesmo com grandes sequelas após o AVC. A gente sabia que se tratava de um caso muito grave. O médico não estava de sorrisos. Os corredores hospitalares são sempre frios. Havia cheiros de limpeza excessiva de hospital, mas eu pensei que aquilo era cheiro de morte.

No dia seguinte à minha visita, quando eu havia acabado de chegar em Maringá (PR), onde eu moro, recebi a ligação que confirma aquela morte anunciada do pai. “O estudo Interstroke destacou que cinco fatores de risco modificáveis — pressão arterial, dieta, inatividade física, tabagismo e obesidade abdominal — são responsáveis por 82% e 90% do risco atribuível populacional para AVC isquêmico e hemorrágico, respectivamente”, informa Bortoli. Mas meu pai não sabia disso, ou fingia não saber.

  • 1,9 milhão
  • É o número de neurônios perdidos por minuto durante um AVC isquêmico de grande vaso

Batalha contra o AVC

Considero triste a minha história de vida envolvendo a morte precoce de um pai. Ele não conheceu o neto dele, o meu filho de 4 anos, que coincidentemente nasceu no mesmo dia em que o avô. Considero importante contar esta história, porém, para corroborar com as recomendações médicas atuais. Muitas histórias podem ser mudadas a partir da mudança do estilo de vida e de um trabalho de conscientização que depende acima de tudo do poder público.

“O tratamento e manejo eficazes da hipertensão (como exercícios, dieta e pressão arterial saudável) são importantes para evitar mais complicações ou riscos como infarto do miocárdio ou AVC”, informa o site Boehringer Ingelheim, grupo de empresas do ramo médico orientadas para a pesquisa dedicada à descoberta, desenvolvimento, fabricação e comercialização de produtos inovadores de saúde.

Para o neurologista consultado pelo portal GMC Online, devemos pensar em ações de prevenção contra o AVC, com intuito de diminuir os números de óbitos causados pela doença, mas também possibilitar melhor sobrevida às vítimas que sobrevivem ao acidente vascular cerebral.

Afinal, pode sim haver vida após um AVC. “A grande maioria dos pacientes sobrevivem após o AVC. Os principais culpados deste mal são trombos e arritmias do coração ou placas de colesterol nas artérias carótidas. Outro ponto fundamental é a reabilitação: assim como após uma fratura precisamos de fisioterapia, no AVC também precisamos da equipe multiprofissional, como fisioterapeuta, fonoaudiólogo, terapeuta ocupacional e nutricionista para a melhor reabilitação possível das sequelas.

“O controle da pressão, do colesterol, da obesidade e do sedentarismo são capazes de evitar o AVC em pacientes com grande predisposição genética.”

Gabriel Bortoli, médico neurologista

Bortoli orienta também quanto aos cuidados ligados à saúde mental: “Devemos lembrar do impacto psicológico, sendo comum depressão pós-AVC devido às mudanças na qualidade de vida. Nesse sentido o suporte psicológico e social são essenciais.” A mãe do pai também sofreu um AVC e se entregou à depressão por alguns anos antes de vir a falecer. Ela só ficava deitada na cama e se negava a fazer fisioterapia. Já com o filho morto e triste pela incapacidade física causada pela doença, eu nunca mais a vi sorrindo.

“Pensando que 90% dos AVCs podem ser evitados, é muito mais importante pensar na prevenção do que apenas no tratamento após o ocorrido. Para mim os pontos fundamentais são: educação e conscientização, com campanhas para informar a população sobre os fatores de risco do AVC”, considera o neurologista.

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Médico neurologista Gabriel Bortoli. Foto: Divulgação

Além disso, reforça ele, é preciso haver melhoria no sistema de saúde, com acesso à diagnóstico precoce e tratamento adequado de doenças básicas, como pressão alta, diabetes e colesterol alto. “Também precisamos de mais políticas públicas envolvendo controle maior do tabagismo, promoção de alimentação saudável e atividade física”, finaliza.

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