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09 de maio de 2024

O desafio do lixo


Por Silvio Barros Publicado 05/07/2022 às 19h04 Atualizado 19/10/2022 às 10h48
 Tempo de leitura estimado: 00:00
Foto: Montagem/Silvio Barros/Friedenreich Hundertwassen

Eu sou engenheiro civil e minha especialização foi na engenharia sanitária e ambiental. Meu primeiro emprego como engenheiro foi no Núcleo de controle e preservação do maio ambiente do estado do Amazonas fazendo o diagnóstico ambiental da cidade de Manaus.

Sempre fui um apaixonado pela Amazônia desde os tempos de escola, e ter ido trabalhar lá era como a realização de um sonho, no entanto tenho que admitir que fiquei muito chocado ao ver as pessoas esvaziando suas latas de lixo na calçada bem na frente de suas próprias casas. Aquilo para mim era inconcebível mas depois entendi de onde vinha este habito. Muita gente que morava no interior, em palafitas, mudava para a capital para procurar emprego na zona franca de Manaus. Morando na floresta, na beira de rios e lagos, o costume era limpar o peixe ou descascar as frutas na janela da cozinha e jogar o resto na água pois era comida para os peixes e a correnteza levava tudo embora. Claro que na floresta não se usa embalagem, portanto o lixo não chegava a poluir, mas na cidade, toda a comida vinha em alguma forma de sacola e as cascas e restos de comida continuavam sendo jogadas do lado de fora da casa com as embalagens mas ali o rio não leva. Eu trabalhei justamente no mapeamento desta situação e desde então, acabar com o lixo tornou-se uma obsessão para mim.

Quando fui prefeito de Maringá esperava dar a minha cidade a oportunidade de ser pioneira num processo de lixo zero, eliminando totalmente o passivo ambiental que os lixões e aterros deixam para as gerações futuras. Comecei então a estudar novas tecnologias. Na época a orientação do Ministério Público era fazer compostagem, então primeiro fizemos parceria com uma empresa alemã para um processo de digestão aeróbica por injeção de oxigênio e produzíamos 70 toneladas de composto orgânico todos os dias. O problema era o que fazer com isso já que os agricultores não queriam colocar nas plantações com medo de uma reação negativa dos consumidores. Somente os canaviais aceitavam, mas primeiro queriam ver o laudo técnico do Ministério da Agricultura dizendo que estava tudo certo. Acontece que a cada amostra o laudo demorava mais de 3 meses para chegar e tínhamos que estocar milhares de toneladas de adubo até a chegada do resultado, torcendo para não chover porque gerava um chorume terrível. Colocar nas praças e jardins da cidade não funcionava porque o cheiro era forte e tinha muita reclamação. Por melhor que fosse a intenção na prática era uma ideia inviável.

Comecei então a procurar sistemas de transformação de lixo em energia elétrica, e visitei várias usinas ao redor do mundo, sendo a primeira na nossa cidade irmã Kakogawa no Japão. Chegamos a dar início ao procedimento licitatório para a implantação daquela que poderia ser a primeira usina de recuperação energética de lixo no Brasil. Mas infelizmente por razões políticas, não foi possível aprovar na câmara a lei autorizativa.

Continuei pesquisando e estudando o assunto e ainda hoje sou bastante ativo na busca de uma solução mais inteligente do que enterrar lixo.

Nesta última viagem fui visitar a usina de Spitellau no centro de Viena, Áustria. Do outro lado da rua fica a Universidade e na frente tem uma grande estação de metrô. Ali, todos os dias 220 caminhões despejam os resíduos da cidade que são transformados em eletricidade e calefação para mais de 50 mil residências. O prédio mais parece um centro cultural com uma fachada extravagante mesclada com jardins suspensos e elementos decorativos dourados. O complexo pertence a companhia de energia de Viena a Wien Energy e lá tem inclusive um espaço educativo sobre geração de energia para crianças e adultos aprenderem de forma lúdica e interativa como tudo funciona e tem também passeio turístico guiado dentro da usina que aliás vive lotado. Após um incêndio em 1987 fizeram um concurso para a melhor recuperação paisagística do local. O vencedor foi o famoso artista Friedensreich Hundertwasser que transformou a usina num dos mais importantes ícones arquitetônicos de Viena com uma chaminé toda decorada mas que tem os mais sofisticados sistemas de filtragem de gases de toda a Europa. Confesso que fiquei muito feliz e emocionado em ter conhecido, e ao mesmo tempo triste porque nosso país até hoje não tem nenhuma unidade como esta, substituindo o ultrapassado e contaminante hábito de enterrar lixo pela geração de energia limpa, aliás, energia que limpa, porque evita a contaminação do solo, do ar e do lençol freático com lixo.

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