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08 de maio de 2024

Redescobrindo a fidelidade das famílias ao frango assado em máquinas giratórias em Maringá


Por Marcos Cordiolli Publicado 19/07/2022 às 17h56 Atualizado 19/10/2022 às 10h51
 Tempo de leitura estimado: 00:00
Máquina rotatória para o preparo do frango assado.
Foto: Marcos Cordiolli

O meu amigo Edivaldo Magro alertou-me para a cultura gastronômica do frango assado preparado em máquinas giratórias em Maringá. Ele mencionou um certo grau de fidelidade das famílias em relação a algumas padarias e açougues que preparam a iguaria. Coloquei uma mensagem nas redes sociais e recebi diversas mensagens. Visitei alguns lugares, conversei com os assadores e constatei que o Edivaldo tem razão. Eu tentei várias hipóteses para explicar estas fidelidades, mas o que descobri é que o universo do frango assado em máquinas giratórias é amplo e diversificado na cidade.

O frango assado inteiro é uma das tradições culinárias da colonização. Os colonizadores também legaram as tradições de assar porcos e carneiros em peças inteiras. As leitoas recheadas são – ainda – uma tradição nas ceias natalinas. Os carneiros recheados – agora com arroz – são tradicionais nas grandes festas corporativas ou de aniversários. 

Máquina rotatória com espeto para o preparo do frango assado.
Foto: Marcos Cordiolli

O Frango assado por inteiro, pelo tamanho e praticidade, firmou-se como prato dominical. Eu não me recordo de ter visto a oferta de frango recheado no cardápio de algum restaurante e mesmo em buffet de self services. O frango assado desmontado é ofertado com certa frequência, mas não na modalidade recheada.

Nos fogões a lenha o frango era versátil pelo tamanho e ainda poderia compartilhar o espaço com outras carnes. Nos antigos fornos de assar pão, o frango poderia ocupar um pequeno espaço, economizando tempo do assador.

Na área urbana, o frango era comprado inteiro nas feiras livres – as vezes – até vivo. Eu tenho a forte lembrança dos frangos comprados nas feiras livres pela minha mãe. A ave ficava viva por alguns dias até que era abatida. No dia de preparo da ave, a minha mãe destroncava o pescoço do frango, sapecando-o na água fervendo. 

O frango assado. Foto: Marcos Cordiolli

O meu irmão Sérgio, certa vez, se afeiçoou a uma delas que chamou de Tibica. Quando ele descobriu que era a Tibica quem estava no ensopado no centro da mesa, chorou e nunca mais comeu frango caipira. 

Uma curiosidade: quando a minha mãe matava o frango, ela cozinhava o pescoço – ainda com sangue – na água e sal. Eu era o único dos filhos que apreciava a iguaria. Nenhum dos meus irmãos demonstrava o menor interesse no pescoço de frango com sangue… O sangue endurecia, num ponto semelhante ao da linguiça calabresa, mas com menos gelatina. Como a pele do pescoço do frango é mais fina a combinação de texturas da iguaria era realmente notável. 

Quando a ave era um galo, a minha mãe também cozinhava a crista e repartia entre os filhos. Segundo a tradição, a crista do galo deveria ser comida pelas crianças para evitar que urinassem na cama…

 O precioso recheio do frango assado. Foto: Marcos Cordiolli

A vida urbanizada trouxe as máquinas giratórias para assar os frangos. As que conheci funcionavam a gás, mas ouvi relatos de algumas a carvão. Algumas máquinas arranjam os frangos em espetos giratórios no sentido horizontal. Outras máquinas colocam os frangos em bases giratórias e os frangos ficam tanto em sentido vertical como horizontal. Atualmente, existem “churrasqueiras de abafos”, nos açougues e casas de assados, a carvão, que entregam um ótimo resultado também no preparo dos frangos. Porém, nas “churrasqueiras de abafo” os frangos não ficam em movimento durante o processo de cozimento, o que parece fazer uma diferença importante, principalmente, no resultado sobre o recheio. 

As padarias, os açougues e as casas de assado que adotaram esta tecnologia passaram a comercializar acompanhamentos para o frango: entre os mais tradicionais estão a maionese, o arroz, salpicão e salada de tomate ou cebola. Nos últimos tempos os assadores desenvolveram uma iguaria de grande importância: as batatas assadas nas assadeiras que recolhem as gorduras dos frangos na parte de baixo das máquinas.  As batatas são assadas lentamente e envolvidas nos caldos e temperos que escorrem dos frangos. Realmente especiais. Deliciosas, com um cozimento por igual e com o sabor espalhado por toda a peça.

As batatas assadas nas máquinas rotatórias.
Foto: Marcos Cordiolli

Outras modalidades concorreram com o frango assado em máquina giratória. Um deles é o frango frito “à passarinho”. Também muito popular em casas de assados, mas não se fixou como prato principal, mas como acompanhamento ou petisco. Outra variedade foi frango Chicken in, elaborado com as máquinas americana de  Fried Chicken que fizeram sucesso nos anos 1970, em Maringá, mas, também, ficaram restritos a condição de petisco. Quando se trata de refeição, o frango assado recheado segue hegemônico. 

Os gaúchos e cariocas gostam dos galetos primo canto. Frangos novos, abertos ao meio, que ficam marinando em tempero e assado a pouco mais de um palmo dos braseiros fortes. No Rio, eu tenho uma lista de locais que servem esta iguaria, eu destacaria duas, a do Edifício Central na Cinelândia e de uma galeteria, em Ipanema, na Rua Visconde de Pirajá.

A minha predileção, no entanto, para esta ave é a do Frango Prensado do Restaurante Madalosso, em Curitiba, desenvolvido pela Dona Flora. Uma iguaria digna de nota, pela textura da peça de frango assado e prensado. Só perde, lá no Madalosso, para o fígado de galinha frito. Que, aviso antecipadamente, não é melhor que foie gras, mas é memorável…

O fato de o frango assado recheado em máquina giratória ter conquistado uma notável hegemonia nos almoços dominicais da nossa cidade é um fato reconhecido. Porém, como explicar a fidelidade quase religiosa das familiais por determinados fornecedores de frangos assados recheados?

A minha primeira hipótese está associada ao fato de o frango ser assado inteiro e com recheio. Os movimentos dos óleos que derretem no cozimento, somado aos temperos do recheio fazem o frango ficar com sabores e texturas homogêneas. Entretanto, quase sempre,  as carnes brancas do peito teimam em ficar um tanto insonsas e com baixo teor de temperos. 

Alguns preparadores do frango assado em máquinas giratórias, disseram que fazem perfurações para a entrada do molho, mesmo assim não senti grandes diferenças. Nas minhas poucas experiências domésticas costumava injetar o tempero no peito e nas coxas do frango e entre a pele. Inserindo, além das especiarias, um pouco de gordura suína. O resultado sempre foi adequado, fazendo com que estes pedaços ficassem mais saborosos. No entanto, frangos assados recheados conseguem atingir um ponto muito adequado para as carnes brancas.

A segunda hipótese é que a rotação do processo de assar o frango seria importante no resultado tal como apreciamos em Maringá.

A terceira hipótese está relacionada com o recheio. Os recheios, tradicionalmente, são elaborados com farinha de mandioca ou de milho. O milho e a mandioca são duas plantas cultivadas pelas populações originárias que caíram nas graças dos imigrantes europeus e asiáticos. Os descendentes de árabes locais, por algum motivo, parecem que não incorporaram a mandioca e o milho nas suas simbioses gastronômicas. 

As duas farinhas ainda são absolutamente hegemônicas na cidade para o preparo do recheio dos frangos assados. Alguns assadores, creio que pela tradição do carneiro, agora ofertam o frango recheado com arroz, mas não parece popular, embora possa ser muito apetitoso. O arroz é excelente para absorver os caldos dos assados, assim como faz nos carneiros recheados. 

Os recheios, originalmente, continham os miúdos do frango – cozidos ou fritos – picados: coração, moela e fígado. Hoje é comum acrescentar bacon, que parece ter se tornado um acompanhamento universal. Algum optam por incluir cebola – mas esta parece dividir a humanidade em dois grandes grupos – os que a amam e os que a odeiam. Os pimentões também foram relatados como opção ou preferência por alguns interlocutores. Um outro time tentou as passas, figos e frutas cristalizadas, opções muito populares em farofas. Estas frutas, no entanto, parecem dividir as famílias e geralmente são rejeitadas para a conquista do consenso de um prato comum no almoço dominical. Afinal em todas as famílias existem grupos radicalmente contrário às cebolas ou às passas, e o prato principal sempre precisa agradar a todos. Recentemente , também, as oposições aos miúdos foram ampliadas. Por outro lado, os frangos industrializados, diferente, do caipira, não são comercializados com os miúdos. O bacon, por isso, parece estar se universalizando como elemento forte dos recheios dos frangos assados em máquinas giratórias.

Como já afirmei, as farinhas de mandioca e de milho, no entanto, são muito amigáveis aos caldos que vertem dos frangos. Incorporando os caldos, estas farinhas agregam sabor ao recheio e adquirem texturas arenosas que são muito agradáveis ao paladar. O frango assado recheado combina duas iguarias: a carne do frango assada quase por igual e o recheio.

No entanto, parece existir todo um grupo dos apreciadores da pele dos frangos assados em máquinas giratórias. Por mais que nutricionistas alertem para quantidade do ácido úrico na pele do frango, ela é uma iguaria muito apreciada. Alguns relatam que ocorrem disputas acirradas pelas peles dos frangos assados em máquinas giratórias. Claro, existe outro grupo que  rejeita categoricamente a pele de frango. Alguém mencionou uma casa que oferece o frango assado sem a pele. Eu fiquei curioso para experimentar, mas creio que deve perder umidade durante o cozimento, ficando ressecado e perdendo parte dos temperos.

O outro fator – como quinta hipótese – é o tempero dos frangos e dos recheios. Alguns preparadores colocam o frango mergulhado em temperos por algumas horas, as vezes até por toda a noite. Não são temperos como aqueles dos assadores americanos de porco que se apresentam em competições com molhos secretos que geralmente incorporam pelo menos 50 iguarias! Porém cada assador tem a sua receita, geralmente associada, ao vinagre, ao sal, ao alho e a cebola. Encontrei a citação do tomilho, alecrim, coentro, a pimenta do reino – e para a minha surpresa – de curry e das pápricas doces e picantes.

Alguns preparam versões picantes e não picantes – que são ofertadas aos fregueses. Alguns, como eu, gosto do recheio do frango, seja de farinha de mandioca ou milho, acompanhado de um bom molho de pimenta. 

A visita a alguns açougues e padarias – somada as conversas com alguns amigos – confirmaram a hipótese do Edivaldo, quanto a fidelidade das famílias em relação a um assador de frango de sua preferência. As explicações, geralmente, são generalistas, outras mencionam a presença dos miúdos, do ponto da pele, do tempero da carne… Ainda assim, pareceram-me explicações superficiais. Eu penso, que as pessoas se acostumam com o local e passam a consumir o produto com regularidade. Geralmente resolvem os problemas geopolíticos familiares  – recheio de milho ou mandioca – com ou sem miúdos ou passas – apimentados ou não…. Depois é difícil alterar este arranjo familiar para o almoço dominical… 

Uma típica casa de frango assado em Maringá.
Foto: Marcos Cordiolli

O meu irmão Sérgio, um apreciador dos prazeres à mesa, se desloca até Sarandi para comprar o frango assado dominical da família dele. (Agora ele come frango assado, desde que não seja caipira… como a Tibica). O Ricardo Lucena, o popular Cabelo é fiel ao frango assado na Casa de Carne Central da avenida Cerro Azul (também citada por outros interlocutores). A Sandra, minha dentista, mencionou uma casa de carne lá para os lados do Mandacaru. Outra Sandra, minha prima, fala do Açougue Ribeiro na avenida Pedro Taques (esta casa de carnes precisa de uma crônica só para ela, por todas as maravilhas que oferece). Ela, a Sandra, minha prima, como eu, gosta do recheio com farinha de milho com moela e coração de frango. O Fernando Perca mencionou uma que conheço bem e aprecio, o Bom Bife, na Avenida Riachuelo quase na praça Regente Feijó. A minha mãe as vezes solicita que eu vá buscar o frango assado lá para os lados dos campos de girassóis… O Braseiro na Avenida Carlos Borges tem também diversos fãs e foi aonde comprei o deste domingo.

Eu gostei daquele do açougue na Praça Rocha Pombo, do qual o proprietário já foi vendedor de carros e resolveu se dedicar às artes do açougue e dos assados… Apreciei a cor dourada dos frangos assados daquela casa de assados que fica na rua Santos Dumont, na primeira quadra depois da Avenida Laguna, próxima do Colégio Osvaldo Cruz… enfim… diversidade de preferências. Apenas com as opiniões citadas aqui já confirmamos a distribuição geográfica dos assadores por toda a cidade. 

Agora, bem cá entre nós, num domingo, após o meio dia, você chega diante de uma destas máquinas giratórias da assar frango, escolhe um deles, o atendente abre a porta da máquina para pegar o teu pedido… o aroma que sai da máquina de frango assado é absolutamente fabuloso. O frango assado pode não ser dos melhores, entretanto a experiência do aroma intenso já é uma conquista do dia. Todos, que gostam ou não do frango assado, deveriam algumas vezes desfrutar deste abrir das portas das máquinas de frango. Por isso, talvez que elas sejam conhecidas como “Televisões de Cachorros”, os cães com seus olfatos apuradíssimos devem sentir estes aromas, mesmo quando as máquinas estão fechadas….

Enfim, com as múltiplas possibilidades, o frango assado, tornou-se tradicional, principalmente no almoço de domingo. Uma tradição que permanece e que poderá se renovar, entretanto continuará a ser – de fato – um elo familiar que irá compor as memórias afetivas das novas gerações… E pela quantidade de máquinas giratórias de frango assado recheados que vejo pela cidade, a tradição continua forte e terá vida longa… que assim seja.

Sobre o colunista: Marcos Cordiolli é maringaense que imigrou na adolescência para Curitiba e de lá para outras cidades. Teve, no entanto, a felicidade de voltar a morar na sua quinta década de vida em Maringá. Agora, como um flanner, está redescobrindo a cidade e seus encantos. 
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