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08 de maio de 2024

Redescobrindo a mandioca como base de uma culinária tradicional e renovada em Maringá


Por Marcos Cordiolli Publicado 05/08/2022 às 17h27 Atualizado 19/10/2022 às 10h55
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A mandioca comercializada crua nas feiras de rua de Maringá – Foto: Marcos Cordiolli.

A Mandioca é uma das senhoras mais respeitáveis e tradicionais da gastronomia local maringaense. A mandioca é uma planta originária da Amazônia, mas chegou à nossa região pelos índios e quilombolas que aqui viviam à época da expansão das ondas colonizadoras da primeira metade do século XX. Os europeus, japoneses e árabes, quando por aqui chegaram, descobriram a mandioca utilizando-a de diferentes formas e em diversas situações. 

Com ampla influência na cultura alimentar de Maringá, a mandioca manteve a realeza mesmo diante a concorrência de outros tubérculos – como o inhame, o cará e a batata-salsa. 

A consumo da mandioca é peculiar desde a comercialização. Alguns a compram in natura, com casca. Outros a preferem descascada imersa em água. Esta segunda opção é oferta comum nas feiras de rua da cidade. A preferência entre as de cores branca e amarela dividem as opiniões dos consumidores. Na minha opinião, o segredo é o ponto certo do cozimento da mandioca. A mandioca cozida no ponto certo é preciosa, fora do ponto pode ser detestável.

Diante da versatilidade da mandioca, eu vou apresentar diversas das modalidades gastronômicas para a elaboração e consumo desta iguaria que garimpei em Maringá.

A primeira modalidade gastronômica é a da Mandioca Cozida. Geralmente é servida só com sal e um pouco de manteiga – eu costumo usar a manteiga de garrafa nordestina. Aceita, no entanto, composições mais amplas como o acompanhamento das refeições tradicionais, do arroz com feijão ao churrasco. Os antigos a comiam com molho de carne moída, como faziam também com a polenta. A Mandioca Cozida também pode compor a base da maionese que acompanha os churrascos e o frango assado dominical.

A mandioca cozida com açúcar mascavo – Foto: Marcos Cordiolli

A Mandioca Frita compõe a segunda modalidade gastronômica. A fritura faz com que as cerdas da mandioca se separem criando deliciosos ramos secos que são uma preciosidade. Nos últimos anos ela vem acompanhada de bacon – este elemento gastronômico quase universal. Alguns acrescentam requeijão ou linguiça calabresa. Em Maringá é impossível escolher a melhor Mandioca Frita, eu escolho a do Boteco do Neco. 

Agora o cuidado: fuja das mandiocas fritas na forma cilíndrica. Ela fica “massuda”, perde o sabor e é difícil para engolir. A boa mandioca frita é aquela bem cozida que depois é esmagada na frigideira ou no grill, espalhando e tostando as cerdas. A textura e a consistência são notáveis, os sabores múltiplos ativados pela fritura são apreciáveis em todo o paladar. Ou então, preferia a Mandioca Frita cortada fina ou em rodelas pequenas. As pessoas que rejeitam a Mandioca Frita geralmente são as que experimentaram a iguaria preparadas em pedaços grandes além da medida certa para se aproveitar as suas potencialidades gastronômicas.

A terceira modalidade gastronômica que a cidade consagrou foi a da mandioca como acompanhamento das carnes cozidas. A mandioca com a costela bovina virou até um prato tradicional no Brasil: a Vaca Atolada que geralmente fica próximo de um ensopado (o apresentador Salsicha já fez propaganda da Vaca Atolada preparada pelo sogro dele, que ele recomenda como uma das melhores da cidade…). Na minha família, a carne de porco, quando cozida deve estar sempre em companhia da mandioca. O envolvimento da mandioca com a gordura da carne de porco faz com que a iguaria ganhe um sabor ímpar. Chego a pensar que apreciamos mais o real sabor da carne de porco nos caldos agregando a mandioca cozida na mesma panela.

A Vaca Atolada, a mandioca com costela bovina – Foto: Reprodução

A quarta modalidade gastronômica é o ponto alto da mandioca para mim: o nhoque. A textura da mandioca é simplesmente perfeita, fica um tanto “colante”, prolongando a sensação dos sabores sobre língua. Assim, os molhos, tantos os fortes como os mais delicados, ficam retidos mais tempo sobre a língua estendendo os tempos do paladar. 

A mandioca, na sua quinta modalidade gastronômica, é a do purê. O Purê de Mandioca com queijo vira o famoso “Escondidinho”. Originalmente, pela tradição nordestina era elaborado com carne seca. Atualmente compõem-se com frutos do mar, frango e carne moída (numa variação – deliciosa – da popular “Madalena”). 

A mandioca, na sexta modalidade gastronômica, é uma das mais tradicionais: a base para a elaboração da Coxinha de Galinha. A Coxinha de Galinha é uma das preciosidades gastronômicas de Maringá como já afirmei em diversas vezes. Algumas versões contemporâneas da Coxinha são elaboradas com batata ou com farinha de trigo – todas apreciáveis-, mas não possuem a textura, nem distante – daquelas de mandioca. A Coxinha de Mandioca da atualidade que aprecio são as disponíveis nas barracas de pastel nas feiras livres e na Confeitaria Marco’s (infelizmente só oferecem com recheio de carne seca). (O buffet da Marco’s geralmente oferece a mandioca com qualidade em diversas modalidades: cozida, frita, com carne de porco e as vezes com costela. Em refeições rápidas é sempre uma boa opção para os apreciadores da mandioca).

Coxinha de Mandioca – Foto: Reprodução

Na cidade da Lapa, a coxinha de farofa é uma tradição, o meu amigo Marcio Assad, que atua no setor turístico da cidade, certa vez apresentou-me esta iguaria. Contam por lá que numa das antigas Festas de São Benedito sobrou muita massa de pastel e carne moída. Para preservar estes alimentos, misturam farinha de mandioca na carne moída. Depois envolveram este recheio com a massa de pastel. E as fritaram. O recheio ficou parecido com os dos nossos frangos assados em máquinas giratórias. 

O reclamo com a falta de tempero nos recheios de frango nas Coxinhas de Mandioca. Em diversas oportunidades, eu optei por comer a Coxinha de Mandioca e – discretamente – abandonar o recheio de frango insonso e apático. 

A nossa deliciosa Coxinha tem perdido espaço para os Bolinhos de Mandioca, geralmente puros ou recheados com queijo, camarão ou carne seca. É uma pena, pois os Bolinhos ressaltam mais o recheio e relativizam a força do sabor e da textura da mandioca. Quando se quer destacar o recheio, que se faça então com a farinha de trigo, mais neutra e que garante mais autenticidade aos recheios. Na Choperia Imperial, em Copacabana, no Rio de Janeiro, fazem um bolinho com Milharina recheado com camarão que é espetacular. O foco, no entanto, é o recheio, não a neutra massa de Milharina.

Nos antigos invernos dos tempos das geadas no Noroeste do Paraná, a mandioca foi a base das sopas, geralmente acompanhadas da carne de porco. A sopa é a respeitável sexta modalidade gastronômica da mandioca em nossa cidade. Atualmente, aceita quase tudo, inclusive os frutos do mar e diversos vegetais, pois a mandioca tem a qualidade de engrossar o caldo e mantê-lo numa temperatura adequada ao paladar por mais tempo.

Da sopa ao Caldo de Mandioca – a sétima modalidade gastronômica – é um passo curto, mas que se produz uma outra iguaria apreciada em nossa cidade. Os caldos são um elemento gastronômico universal, dos tradicionais, é muito comum encontrar em Maringá os de feijão e mocotó – e mais raramente os de piranha e de peixe. O Caldo Verde das festas do Centro Português, elaborado nos métodos tradicionais, é de excelente qualidade e uma das tradições da cidade. Entretanto, mesmo diante de tanta concorrência, o Caldo de Mandioca, pelo resultado encorpado e com permanência do calor, o faz uma iguaria com identidade – qualidades estas similares ao Caldo de Mocotó, mas que muitos o rejeitam – para infelicidade destes comensais – em função do alto teor de gordura. Eu recomendo este sétimo formato gastronômico da mandioca acompanhado de uma boa pimenta – para aqueles que apreciam este condimento. 

Caldinho de Mandioca – Foto: Marcos Cordiolli

A variação do Caldo de Mandioca em alta é o do “Caldo de Vaca Atolada”. Ou seja, Caldo de Mandioca com costela bovina. Dos disponíveis, recomendo com toda a certeza o do Boteco Limoeiro, ali na avenida JK.

As farinhas de mandioca – a oitava modalidade gastronômica – são também preciosas para a gastronomia local: possibilitam as farofas, os tutus e até o acompanhamento para o arroz e feijão… 

A farinha de mandioca misturada ao arroz e feijão é um hábito típico de nossa cidade por isso é ofertada nas mesas e buffets de diversos restaurantes locais. Criou-se um ritual na cidade nos tempos dos pioneiros quando o arroz e o feijão quase sempre eram misturados com farinha de mandioca: servia-se primeiro o feijão, misturava-se a farinha e então acrescentava-se o arroz. Quando a farinha de mandioca não estava incluída, mudava-se a ordem: o arroz era servido primeiro e o feijão seria adicionado depois, por cima. 

A carne de porco frita, para mim, desde criança, deve ser acompanhada de farinha de mandioca. De preferência servida com um pouco de gordura para se agregar aos restos da farinha de mandioca que sobra no prato. Na região de Maringá a farinha de mandioca mais comum é a torrada. Pelo Brasil temos pelo menos mais meia dúzia de outras modalidades, em particular as do litoral, que são brancas e muito finas para acompanhar os caldos de peixe ou elaborar o pirão. A farinha de mandioca branca e fina é a utilizada no tradicional Barreado – aquele ragu especialíssimo cozido por horas em panelas de barro – criado em Antonina, no litoral paranaense.

A confeitaria é também uma das modalidades da Mandioca na culinária local de Maringá (a nona pelas minhas contas…). Os bolos, os pudins, as tortas e os doces de mandioca são tradicionais. Entre estes o mais notável é aquele bolo em duas camadas, uma mais consistente – em baixo – e outra cremosa – em cima. Levei alguns destes bolos para a reunião de uma confraria que participava em Brasília: a aprovação foi unânime e até os dias de hoje os amigos ainda lembram desta iguaria.

Bolo de Mandioca – Foto: Reprodução

A versatilidade da mandioca é tão grande que certa vez eu a encontrei na modalidade de doce em calda. Não foi o melhor dos doces em conserva que eu experimentei, mas mantinha potência de sabores da mandioca. Nesta mesma linha experimentei, também no Nordeste, o sorvete de mandioca, um tanto apreciável e ainda vinha acompanhado de calda de goiabada.

Por último, a modalidade que está impregnada na minha memória afetiva: a mandioca cozida servida com leite ou só com açúcar. E eu, assim como a minha mãe, gosto de jogar açúcar, de preferência o mascavo, sobre a mandioca ainda quente, saindo da panela de pressão… A temperatura e umidade da mandioca formam uma pequena crosta com o açúcar… Com o leite também a mandioca se harmoniza, proporcionando excelentes lanches para o final da tarde ou para as pequenas ceias para aqueles que comem antes da ida a cama.  A mandioca pela versatilidade e antiguidade é elemento da identidade gastronômica de Maringá, no entanto, ela ficou tão comum que parece invisível. No entanto, mesmo sem o devido reconhecimento, ela está por toda a parte, das pastelarias da feira aos restaurantes mais requintados: em silêncio ela exerce a sua realeza  em nossa gastronomia e ainda nos dará muitos prazeres à mesa.

Sobre o colunista: Marcos Cordiolli é maringaense que imigrou na adolescência para Curitiba e de lá para outras cidades. Teve, no entanto, a felicidade de voltar a morar na sua quinta década de vida em Maringá. Agora, como um flanner, está redescobrindo a cidade e seus encantos. 
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