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19 de abril de 2024

Eu sei o que você fez no verão passado: me excluiu do Facebook


Por Victor Simião Publicado 14/02/2019 às 15h30 Atualizado 20/02/2023 às 01h36
 Tempo de leitura estimado: 00:00

Sim, todo mundo já sabe: ser unânime é impossível – tão ou até mais impossível que o seu tio entender que o que ele lê no WhatsApp sobre mamadeira de piroca é fake. Apesar disso, os humilhados que um dia serão exaltados sabem:se assumir rejeitado não é tão simples. Requer coragem, força e ânimo para compreender o processo.

Mesmo não tendo vivido nenhuma experiência de rejeição há alguns anos, exceção feita quanto estou no bar e todas as pessoas ao meu redor ficam no celular, o meu passado guarda lembranças infelizes.

Essas memórias me surgem em dias tristes, de melancolia profunda. São horas infindáveis que só consigo passar ouvindo Zélia Duncan, chupando bala 7belo e jogando truco comigo mesmo. Nessas ocasiões, me recordo dos meses em que passei me declarando a primeira mulher que amei. Foram cartas infinitas, para diversos endereços, sem sucesso.

Eu tive febre, ansiedade, dor no estômago. Em contrapartida, nem sequer recebi uma resposta vinda de minha doce paixão. Que fosse um mísero talvez; ou mesmo um não objetivo. O que eu queria era algum sinal que evitasse o meu desejo de morrer aos 14 anos atropelado pela diretora da escola em seu Uno – ó vida cruel, essa de ter sido mal amado, rejeitado, jogado às traças feito um vice decorativo que escreve em latim. E apesar de os anos terem se passado, da terapia e do álcool, eu ainda espero uma resposta da Jennifer Aniston.

Sim, porque eu não esqueço. Apesar de minha memória ser curta, vez ou outra ela me envia recordações inúteis, como a de quando forjei o meu próprio sequestro e liguei para minha mãe. Por telefone, exigi dinheiro para o resgate. Traumatizado pelo amor não correspondido, odiando Friends e pensando em fugir para os EUA, fiz o plano para conseguir money para executar meu objetivo: ficar cara a cara com Jê (sim, eu e ela tínhamos intimidade).

Para minha tristeza, tive azar não só no amor como no jogo também. A minha mãe não caiu no golpe. Teria sido sucesso, claro, não fosse o fato de eu estar em meu próprio quarto, ligando do telefone minha casa para o celular dela. Adolescente: buço cheio, cérebro vazio.

Às vezes me recordo disso, como às vezes tenho lembrança de nomes de pessoas repentinamente. Nos últimos meses, estando no trânsito, na biblioteca, ou mesmo no Bar do Zé, o nome de alguém me vinha à cabeça. Do nada. Feito os escândalos quase diários do atual Governo Federal.

A mesma lembrança me vinha com a informação de que a última vez que eu vi a pessoa fora no inverno. Como não tenho Instagram, dava início à busca do nome pelo Facebook, onde eu era amigo delas. Para minha surpresa, poucos cliques depois, me via rejeitado novamente. Feito um adolescente de 14 anos, sem mais nem menos, eu descobria que fora excluído da rede social.

Ok. Não era bem uma rejeição, mas incomodou de início, ainda mais porque não foram poucas as pessoas que me deram um tchau sem avisar, feito quem diz que vai comprar cigarros e nunca mais volta.

Honestamente falando, não cheguei a ficar triste por ter sido preterido. No máximo, incomodado. Decidi encontrar razões para tentar entender por que a pessoa um dia me adicionou e depois me excluiu. As alternativas se convergiram num padrão: era/é alguma coisa vinculada a um ex-relacionamento; se incomodava/se incomoda com o fato de eu fazer as mesmas postagens de sempre no Facebook (música, algum tipo de trabalho, crônica, música, algum tipo de trabalho, crônica etc); não gostava/não gosta de Raça Negra.

Minha terapeuta me disse que eu não deveria me importar. Remover uma pessoa da conta não significa nada, a vida é assim mesmo, a gente tem que pensar na gente, que só os fracos e inseguros se incomodam com isso, ela falou. Findada a sessão em que o tópico havia sido abordado, exclui-a do meu círculo no Face, pois queria saber qual seria a reação dela na semana seguinte. Ainda quero, porque ela pediu minha retirada da lista de pacientes.

É engraçado saber aquilo que as pessoas fizeram no verão passado: me excluíram do Facebook. Aí fico imaginando o trabalho que eu devia dar, enchendo o saco na linha do tempo delas. Antes de dormir, alguma delas, talvez, deve ter prometido para si mesma que não passaria do outro dia, que eu a nossa relação virtual seria cortada. “Fora, Victor!”

Eu também consigo ver a pessoa sorrindo ao clicar no botão “Desfazer amizade”. Comemorando a vitória pessoal de não me ter mais ali, feito Kim Jong-um após mandar assassinar parentes e apagá-lo das fotos oficias.

Sei que está soando dramático, mas está tudo bem, obrigado. Se nem a figura mais importante dos últimos dois mil anos que pisou na terra conseguiu ser aclamada por todos, mesmo tendo protagonizado Rambo e Rocky Balboa, quem dirá o pobre infeliz que escreve estas linhas.

Mas eu não me abalo, e sei que se a minha memória me enviou esses nomes é porque no fundo eu já sabia que seria preterido. Apesar da vontade, eu não vou forjar um sequestro e exigir dinheiro para o resgate. Também não vou perguntar a essas pessoas o motivo da exclusão: já não tenho forças para enviar mensagens e recados e afins em busca de um mísero talvez ou de um não objetivo.

No fundo, eu já sei de tudo e entendo o motivo da exclusão, sumiço e rejeição: essas pessoas devem ser amigas da Jê.

Pauta do Leitor

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