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18 de abril de 2024

CINE QUARENTENA #3 – FESTIVAL É TUDO VERDADE


Por Elton Telles Publicado 31/03/2020 às 00h37 Atualizado 23/02/2023 às 05h07
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Em virtude da prevenção ao Covid-19, diversos eventos tradicionais do ramo cinematográfico que estavam agendados para acontecer nas próximas semanas estão sendo cancelados ou reprogramados para o segundo semestre de 2020. No Brasil, um dos que teve a data alterada e precisou ser postergado é o Festival É Tudo Verdade, que anualmente exibe em São Paulo e no Rio de Janeiro a safra recente de documentários brasileiros.

Pelas condições adversas, neste ano, os organizadores do É Tudo Verdade decidiram sediar a 25ª edição do festival em duas etapas: online e presencialmente no mês de setembro. A mostra online já está em andamento e disponibiliza durante o mês de abril mais de 30 títulos – curtas e longas – para serem conferidos gratuitamente. Basta acessar o site do Festival É Tudo Verdade e escolher o filme desejado. O clique vai direcionar o usuário a uma nova guia da plataforma Looke, um tipo de videolocadora virtual, aí é só fazer o cadastro e dar o play. Muito simples.

Abaixo, a coluna sugere três documentários imperdíveis. Em comum, os três são pouco conhecidos e se valem tematicamente de três “instituições” importantes da cultura brasileira: Carmen Miranda, Glauber Rocha e as telenovelas.

Joel Zito Araújo é um dos importantes nomes que prosseguiu no Brasil com o legado do cinema periférico iniciado por Zózimo Bulbul e Adélia Sampaio, que contribuíram para o fortalecimento da cultura negra no audiovisual. Em “A Negação do Brasil” (2000), estreia de Araújo em longas-metragens, o diretor/roteirista faz uma minuciosa radiografia de como eram retratados os personagens negros em diferentes telenovelas brasileiras da Rede Globo e da TV Tupi. Uma das constatações alcançadas pelo documentário, após a análise de diversos trechos, é a personificação do estereótipo: a mulher negra varia entre a empregada doméstica, o alívio cômico secundário e a perpetuação da figura da Mamie – personagem de Hattie McDaniel em “… E o Vento Levou” (1939) –, que nada mais é do que a mulher negra, gorda, maternal, por vezes rabugenta, porém amorosa; e o homem negro não vai muito além do papel do jagunço ou do fiel guarda-costas.

A redução desta etnia nas novelas a um grupo social específico é absolutamente frustrante. Do blackface em “A Cabana do Pai Tomás” (Globo, 1969) a outros títulos controversos, o filme segue a cronologia das produções e vai pontuando em off a medíocre representação dos personagens étnicos, geralmente inconsistentes e vistos como escada para algum branco se destacar em cena. Além de trechos retirados das novelas, “A Negação do Brasil” ganha reforço com depoimentos de atores que tiveram seus trabalhos em perspectiva de análise, como Zezé Motta, Léa Garcia, Tony Tornado e a imortal Ruth de Souza. Reforçado com uma pesquisa relevante e feita na unha, o filme é um importante documento histórico e cultural de um país cuja população é negra em sua maioria, mas ainda é lento na compreensão sobre democracia racial.

O documentário “A Negação do Brasil” pode ser conferido na íntegra no vídeo abaixo.

https://www.youtube.com/watch?v=PrrR2jgSf9M

Reconhecida internacionalmente, a atriz e cantora Carmen Miranda (1909 – 1955) talvez seja a embaixadora da cultura brasileira no exterior, ou então, facilmente podemos apontá-la como a pessoa que levou o nome do Brasil para fora e o sustentou por mais tempo. Foi apoiando-se nos costumes do país do samba que Miranda estourou nos Estados Unidos. Seu carisma e beleza encantaram Hollywood, o que a fez protagonizar mais de 10 filmes de sucesso no auge de seu estrelato na década de 1940.

Crescida no Rio de Janeiro, onde cantava em bares e foi descoberta por profissionais da música, Carmen exportou o samba para o resto do mundo, vestindo-se como uma baiana de vestido sensual branco e frutas tropicais sobre a cabeça. Maior representação do Brasil no estrangeiro, é curioso debater o quanto de apropriação cultural a artista se valeu para popularizar o seu nome. Em outras palavras, como é possível uma mulher branca, que sequer é brasileira de origem – Carmen nasceu em Portugal – sair por aí cantando “o que a baiana tem?”? Oportunismo ou ingenuidade? Carmen Miranda não passou de um mero produto para entretenimento imperialista?

Estas são questões provocadas, mas não tão enfatizadas em “Carmen Miranda – Bananas is My Business” (1995), até porque o documentário não admite integralmente uma postura inquisidora, embora respingue reflexões polêmicas e pertinentes; trata-se mais de uma homenagem, um olhar carinhoso para uma exímia artista brasileira e sua trajetória irrepreensível no Brasil e no exterior. Única representante mulher do movimento Cinema Novo, a diretora Helena Solberg conduz um ótimo perfil em formato documental, com narrativa bem estruturada, por vezes colocando-se como personagem, ou melhor, como admiradora de um dos maiores fenômenos da cultura popular brasileira.

Perseguido por militares durante a ditadura no Brasil, no início dos anos 1970, o cineasta Glauber Rocha viveu exilado em Cuba. Lá estreitou o relacionamento com outros profissionais do audiovisual, em um momento em que o país chefiado por Fidel Castro produzia películas de expressivo teor político. Não só por simpatizar com a ideologia de esquerda, Glauber foi a Cuba porque via ali o futuro do cinema latino-americano, pois apreciava a estética e a fundamentação dos filmes cubanos, feitos pelo e para o povo. No documentário “Rocha que Voa” (2002), ficam muito explícitas as preferências de Glauber, que dizia que o cinema brasileiro havia lhe virado as costas. O documentário mostra que ele se sentia acolhido em Cuba, afinado com a ideia de fazer filmes independentes dos interesses econômicos norte-americanos, tal qual o movimento Cinema Novo, que ele afirma reconhecer seu momento de glória, mas que posteriormente se entregou ao convencionalismo.

A intenção, conforme expressa no roteiro, não era de um cinema revolucionário que buscasse necessariamente o socialismo, mas que fosse contrário ao imperialismo dos Estados Unidos, uma cadeia de filmes que provocasse uma descolonização cultural e que não servisse para agradar unicamente os “intelectuais de elite”. Por ser o primeiro longa assinado pelo filho de Glauber, Eryk Rocha, é interessante observar o distanciamento e, ao mesmo tempo, a cumplicidade da abordagem em “Rocha que Voa”. Posteriormente, Eryk recorre de novo às obras de seu pai no filme-homenagem “Cinema Novo” (2016). Além dos depoimentos extraídos de três entrevistas concedidas por Glauber, “Rocha que Voa” conta com a participação de diversos diretores cubanos, como Tomás Gutierrez Alea e Fernando Birri, a quem este filme é parcialmente dedicado.

“Rocha que Voa” pode ser conferido integralmente no vídeo abaixo.

https://www.youtube.com/watch?v=aMZtAQIhm9o

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