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20 de abril de 2024

CINE QUARENTENA #4 – MUBI


Por Elton Telles Publicado 06/04/2020 às 17h45 Atualizado 23/02/2023 às 05h05
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Poucas pessoas no Brasil conhecem o serviço de streaming Mubi. Este é diferente de outras plataformas mais populares que priorizam produções de apelo comercial. Para os amantes do cinema que gostariam de ter acesso a títulos clássicos e contemporâneos que raramente são lançados por aqui de forma convencional, o Mubi é uma excelente opção para a quarentena.

Funciona da seguinte forma: a biblioteca do Mubi oferece 30 títulos selecionados por uma curadoria exigente. Todos os dias, um novo filme é adicionado e outro é removido do catálogo. Isto quer dizer que cada filme fica disponível para exibição durante 30 dias.

O Mubi é muito interessante pela versatilidade, oportunidade de conferir clássicos, por apresentar novos diretores e interligar o usuário a cinematografias de diferentes países. Com exceção da mensalidade relativamente salgada, só vejo vantagens. Se grana for um problema pra você, convide outros amigos e rachem o pagamento da conta. Vale cada centavo.

Nesta seção Quarentena no Mubi, comprovo a diversidade dos filmes no catálogo com as sugestões abaixo, que vão de uma comédia francesa dos anos 1960 a um terrir (terror + comédia) japonês recente.

 

À frente de uma filmografia original que transita de um drama existencialista sobre suicídio (“Trinta Anos Esta Noite”, de 1963) a um documentário urgente que relata a instabilidade social e política na Índia (“Calcutá”, de 1969), o francês Louis Malle cunhou seu nome na história do cinema trafegando por gêneros e narrativas diferentes. A versatilidade de sua carreira é destacável, com a comédia “Zazie no Metrô” (1960) despontando como o maior e provável ponto fora da curva. O filme tem apelo infantil em sua linguagem, valendo-se de cenas apressadas e gags visuais espertas que valorizam um humor ingênuo – a montagem de Kenout Peltier é um espetáculo à parte. Esta receita leva o público a um estado de deslumbramento inevitável. Enquanto esperam a mãe concluir o affair com o amante, Zazie, na companhia do tio, perambula por uma Paris labiríntica e sem romantizações, expondo mazelas parceladas de uma cidade implodida e corrompida pela própria dinâmica. Sem dúvidas, estamos diante de um dos retratos mais imperdoáveis da capital francesa.

Incomum e engraçado, “Zazie no Metrô” se rende ao anarquismo em seu ato final, quando o roteiro transfere os efeitos da greve ocorrente do transporte público para um bar. Ainda que seja preenchido de críticas construtivas em cada frame, o que mais se leva deste delicioso filme é a sensação de se divertir com um projeto leve, inteligente e pueril à sua maneira. É apaixonante a intérprete da personagem-título, Catherine Demongeot, de apenas 10 anos, enquadrada em closes na memorável sequência em que foge de um policial. Seria ela a primeira escolha do autor Vladimir Nabokov para o papel principal de “Lolita” (1962), adaptação de sua obra pelas mãos de Stanley Kubrick, porém Demongeot não prosseguiu a carreira de atriz e hoje é uma professora aposentada.

No entanto, diria que a sua contribuição para o cinema já está mais que validada por emprestar a sua fofura para Zazie em um filme encantador e injustamente subestimado.

Como adianta o título, o início do terrir japonês “Plano-Sequência dos Mortos” (2017) é um plano-sequência de 37 minutos sem cortes. Trata-se da gravação de um filme de terror zumbi independente, captado com uma câmera de mão datada e bastante precária. O espectador não sabe que se trata de um “filme dentro do filme” até o primeiro “corta!” do diretor, mas sem se apegar a isto, é inegável a eficiência deste registro, provando o óbvio de que qualquer pessoa pode fazer cinema de qualidade, ainda que esteja privado de equipamentos de ponta.

A priori, “Plano-Sequência dos Mortos” é um bom exemplar de horror, mas conquista o público definitivamente quando se entrega à comédia, ora inspirada, ora pastelão, ora uma combinação dos dois, e é impossível não se divertir com os improvisos e incidentes que surgem nos bastidores das filmagens. O “verdadeiro” diretor da fita, Shin’ichirô Ueda, conduz a coreografia desgovernada com maestria.

Acima de seu caráter de entretenimento, “Plano-Sequência dos Mortos” é uma verdadeira homenagem ao cinema e todo o trabalho colaborativo que envolve a produção audiovisual.

As produções situadas na Grã-Bretanha capitaneadas pelo norte-americano Joseph Losey são as mais renomadas de sua vasta filmografia, e “O Criado” (1963) desponta como a sua obra-prima. A alcunha faz por merecer por diversos motivos, do invejável rigor da mise-en-scène ao alcance dramatúrgico e representativo do filme. Primeira parceria de Losey com o roteirista Harold Pinter, a história se passa na Londres dos anos 60 e enfoca a relação multifacetada entre um jovem bon vivant e o recém-contratado criado que reside em sua casa. Remetendo ao recente “Parasita” (2019), o roteiro estabelece uma inflamada reflexão sobre relações de classe, e apimenta a situação com um subtexto erótico que resvala no território do poder. A maneira como todos esses elementos vão ganhando forma na tela é magistralmente administrada por Losey, que comanda uma notável trama marcada pela ambiguidade.

Dirk Bogarde se despe totalmente da figura de galã que ostentou em seus trabalhos anteriores e incorpora o personagem-título com calculada desconfiança, entregando possivelmente a melhor atuação de sua carreira. Só por não ter sido ofuscado por completo em cena, o desempenho de James Fox também merece distinção, com destaque aos momentos de embate, submissão e mútuo controle entre os personagens centrais, ressaltado por um câmera sufocante e desafiadora. Candidato ao Leão de Ouro no Festival de Veneza, “O Criado” é uma obra subversiva e aula de cinema em como manter a sensação de desconforto constante com base unicamente no quadro e nos diálogos.

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