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20 de abril de 2024

CINE QUARENTENA #5 – SPCINE PLAY


Por Elton Telles Publicado 13/04/2020 às 19h24 Atualizado 23/02/2023 às 05h05
 Tempo de leitura estimado: 00:00

A SpCine Play, iniciativa da Prefeitura de São Paulo, é a única plataforma de streaming de caráter público no Brasil. Como não poderia deixar de ser, o catálogo valoriza o cinema brasileiro, com produções clássicas e lançamentos da nossa cinematografia, além de conteúdos exclusivos da programação cultural da cidade de São Paulo, como shows, espetáculos e performances que podem ser assistidos sem sair de casa.

Por conta da quarentena que sucedeu após o surto de infecção pelo Covid-19 no país e ainda segue em curso, a SpCine Play liberou o seu acervo para ser acessado gratuitamente durante o mês de abril. Aproveitem!

É uma excelente oportunidade de entrar em contato com filmes clássicos que ajudam a contar um pouco da história do Brasil. Com isso em mente, a coluna selecionou três títulos para serem apreciados e que ficam como sugestões para os leitores.

 

Promover adaptações para o cinema dos romances do alagoano Graciliano Ramos ia tematicamente ao encontro das ideias e interesses que propagavam os filmes do Cinema Novo: narrar histórias do povo e para o povo com expressivo teor político. Começou com Nelson Pereira dos Santos e a releitura magistral de “Vidas Secas” (1963), e depois a bola foi passada para Leon Hirszman traduzir em imagens “São Bernardo” (1971), que acompanha a ascensão social de Paulo Honório, de caixeiro-viajante a latifundiário e dono da propriedade São Bernardo, reconstruída por ele em cima de atos ilegais.

A câmera rigorosa de Hirszman prioriza os planos abertos com a intenção de valorizar o espaço, deixando sempre em evidência a grandiosidade da fazenda empossada pelo protagonista. Em contraste a esta abordagem, “São Bernardo” tem sua parcela de introspecção e, narrado em primeira pessoa, expõe a figura de um homem explosivo, ganancioso e atormentado pelo seu passado. Para este efeito, o roteiro se vale da prosa inigualável de Graciliano, uma seleção de palavras duras e objetivas. Engrandecido pela atuação magnífica de Othon Bastos, o filme executa um estudo de personagem cirúrgico e que se revela atualíssimo, ecoando até os dias de hoje por sintetizar – ainda que involuntariamente – o perfil do típico brasileiro de classe média. Vale mencionar a trilha sonora incomum composta por Caetano Veloso, que usou quatro canais de som para cruzar diferentes entonações da própria voz.

Talvez o excelente “Eles Não Usam Black-Tie” (1981) seja o filme mais conhecido assinado por Leon Hirszman, mas ouso dizer que “São Bernardo”, pela severidade e qualidade antológica, é a sua verdadeira obra-prima.

É possível assistir ao filme completo no vídeo abaixo.

“Mar de Rosas” (1978) é o primeiro longa-metragem ficcional de autoria da paulistana Ana Carolina, uma veterana do cinema nacional que nunca teve o devido reconhecimento. Talvez por fugir das narrativas convencionais ou por assentar uma perspectiva irreverente em suas histórias, caracterizadas pelo excesso e pelos dois pés no surrealismo; de qualquer forma, é preciso reconhecer que se trata de um cinema com assinatura e que tem vida própria. Em sua estreia, Ana Carolina dirige a grande Norma Bengell no papel de Felicidade (a ironia!), uma mulher que assassina o marido durante uma viagem de férias e foge com a problemática filha adolescente a tiracolo. No caminho de retorno, ela se envolve com um homem misterioso (Otávio Augusto) que lhe oferece ajuda. E aí o circo de absurdos está armado.

O enredo de “Mar de Rosas” até respinga na linearidade, como um road movie improvável, mas não demora para escancarar sua face anárquica, diluída em uma sucessão de cenas esquisitas e sem sentido, porém atraentes e divertidas. São particularmente hilárias as interações dos protagonistas, em situação deplorável, com o dentista e poeta frustrado encarnado por Ary Fontoura e sua esposa, a impagável Myriam Muniz. Provenientes do teatro, é vulcânica a contribuição da dupla para a dinâmica da trama, marcada por improvisos e uma bagunça muito bem orquestrada. Um primeiro registro bastante peculiar, portanto coerente com a filmografia da diretora, “Mar de Rosas” é uma fábula caótica e folclórica sobre a falência da instituição familiar.

Assista ao filme na íntegra no vídeo abaixo.

Baseado no romance do argentino Manuel Puig, a história de “O Beijo da Mulher-Aranha” (1985) se passa no Brasil, embora este fato nunca seja mencionado. Dividem a cela em uma penitenciária federal um homossexual preso por práticas de pedofilia e um prisioneiro político ligado a um partido de esquerda. Para aliviar as tensões entre eles, o primeiro resolve narrar um filme de romance alemão que assistira na infância – sem desconfiar de que se trata de uma propaganda nazista. Da diferença entre eles, é firmado um laço de cumplicidade, em que um ajuda o outro seja qual for a necessidade. O roteiro escrito por Leonard Schrader é muito bem resolvido em estabelecer esta amizade, sem apelar para situações forçadas. Também de forma eficiente, o script estrutura uma lógica narrativa bem organizada a ponto de o espectador não ser lesado ao acompanhar, neste caso, três histórias praticamente simultâneas.

A direção de Hector Babenco é segura e imprime dinamismo, considerando que boa fração do filme é ambientado no cárcere. O texto atrativo colabora nesse sentido, mas todos os esforços seriam em vão se a dupla de atores não tivesse sintonia, e aqui, William Hurt e Raul Julia estão impecáveis. Como um homem gay, Hurt é inteligente em adicionar camadas profundas a um personagem que poderia facilmente cair em armadilhas caricaturais, enquanto Julia faz o contraponto do “machão”, em um retrato firme e carinhoso. Os desempenhos de ambos são a grande força do elenco, que conta também com intérpretes brasileiros, como José Lewgoy, Milton Gonçalves e Sonia Braga, esta dando os primeiros passos em sua carreira no exterior.

“O Beijo da Mulher-Aranha” é um filme bem arranjado que toca em vários pontos interessantes, como a amizade, solidariedade, engajamento político e, nas entrelinhas, o poder extasiante do cinema.

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