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18 de abril de 2024

TARANTINO E SUA CARTA DE AMOR AO CINEMA


Por Elton Telles Publicado 24/08/2019 às 01h46 Atualizado 24/02/2023 às 00h24
 Tempo de leitura estimado: 00:00

Enquanto dirige “Era Uma Vez em… Hollywood”, é possível visualizar o sorriso estampado na face de Quentin Tarantino. Ao retratar a Los Angeles do final dos anos 1960, no auge da Contracultura, o cineasta se diverte e demonstra segurança para ambientar sua trama, uma espécie de mosaico composto por personagens distintos entre si e com diferentes aspirações, cujo único ponto em comum é viverem na “Cidade dos Sonhos”.

O primeiro é o astro de outrora Rick Dalton, que já foi um dos principais nomes do “bangue-bangue” norte-americano e que assiste a própria carreira degringolar com os papéis de vilão que topa interpretar em séries de TV. Seu dublê e melhor amigo, Cliff Booth, vive em um trailer com sua pit bull e, consequentemente, recebe poucas ofertas de trabalho, uma vez que Dalton está em pleno declínio artístico. A única personagem verídica desta tríade é Sharon Tate, atriz em ascensão que caminha para sedimentar o seu nome na indústria.

Em meio a tudo isso, uma cidade que vai do caos ao glamour com muita facilidade: letreiros iluminados, cafés e cinemas de rua lotados, conversíveis trafegando nas largas avenidas, festas a rodo e, como contraponto, a evidência do movimento hippie. No entanto, o roteiro faz um recorte muito específico da cena hippie, mostrando somente os discípulos do falso profeta Charles Manson, mentor de uma seita que assassinou 6 pessoas em agosto de 1969. Entre as vítimas, estava a mencionada Sharon, grávida na ocasião de 8 meses e meio do cineasta Roman Polanski.

O roteiro idealizado por Tarantino não se desenvolve tradicionalmente, embora apresente pontuações clássicas, como a apresentação dos personagens centrais e a divisão bem definida dos atos. O que difere neste exemplar é o aspecto de liberdade que flui a narrativa, às vezes dando a falsa impressão de que o filme não tem exatamente uma história para ser discorrida, visto que o enfoque são fragmentos do cotidiano de Dalton, Booth e, com menos metragem, Sharon.

Acima de qualquer suspeita, “Era Uma Vez em… Hollywood” é um filme sobre o cinema. Trata-se de uma espetacular homenagem a uma época em que a criatividade artística estava em efervescência e o aspecto multicultural das diversas plataformas, seja a música, TV ou o cinema, estabelecia total importância na vida das pessoas que dividiam o mesmo contexto. Ainda mais em Hollywood, as pessoas eram diretamente afetadas e respiravam o que de novo a cidade proporcionava em termos de arte – autoral ou apenas entretenimento; e aqui, Tarantino deita e rola neste playground, vai do filme de artes marciais ao faroeste comercial, abraça as comédias mais populares, faz referência a movimentos clássicos do cinema (western spaghetti) e lança comentários pertinentes do quão ingrata pode ser a carreira em Hollywood, uma verdadeira fábrica de ilusões.

Há uma cena excelente em que Dalton está conversando com o produtor interpretado por Al Pacino, que lhe recomenda ir protagonizar filmes no exterior, já que seus esforços atuais se resumiam ao papel do bandido, isto é, escada para que outro intérprete heroico ganhasse reconhecimento. “Até quando você vai ser saco de pancada para jovens promissores?”, ele indaga. Raras exceções, esta é a regra na mentalidade perversa de Hollywood. Da mesma forma, o público é apresentado a Cliff, representante de uma classe pouco valorizada no cinema: os dublês. Cliff é alçado a co-protagonista da história, e somos guiados a constatar as condições relativamente precárias com que o rapaz leva a vida, uma crítica ao descaso dos estúdios com estes profissionais. Por fim, uma bela e jovem garota que sonha com o estrelato e vibra no escurinho do cinema quando sua personagem dentro do filme causa boas reações nos espectadores. É bonito de observar o respeito que Tarantino imprime ao retratar esses indivíduos, responsáveis diretos por fazerem a máquina de Hollywood girar.

Outro ponto crucial para a imersão no universo de “Era Uma Vez em… Hollywood” é a arrojada recriação das ruas de Los Angeles, a administração das cores que saltam à tela e a empenhada trilha sonora que captura com maestria a vibe daquele tempo, com faixas de Rolling Stones, Deep Purple e Paul Revere & The Raiders. Em contrapartida, curiosamente, o que nos distancia é a empolgação de Tarantino, transcrita na excessiva duração e algumas cenas desnecessárias, como a bobagem envolvendo o ator Bruce Lee ou momentos específicos que poderiam ser tratados com mais objetividade, em vez da velha verborragia que adorna suas produções.

Quanto ao elenco, não era de se esperar menos das atuações. No papel de Dalton, Leonardo DiCaprio entrega uma de suas interpretações mais finas como um John Wayne secundário, super dedicado ao trabalho e que se desafia para provar a todos no set de filmagem que ainda é um ator com talento a ser queimado. As expressões e tiques nervosos que DiCaprio empresta a Dalton (tosse, pigarro, limpar a garganta) só enriquece o personagem, que consegue provocar riso em uma cena que também libera comoção. Brad Pitt como o dublê Cliff é outra prova do timing cômico irrepreensível do ator, já comprovado em títulos como “Queime Depois de Ler” (2008) e “Bastardos Inglórios” (2009) – possivelmente o melhor filme de Tarantino. Pitt é uma embriaguez de carisma, e é impossível o espectador não desenvolver empatia.

Já a Sharon Tate de Margot Robbie é apaixonante e iluminada, o verdadeiro coração do filme. Mesmo com menos tempo em cena em comparação aos outros, Sharon repercute como estrela-guia da produção, usada por Tarantino como símbolo de uma inocência perdida há tempos em Hollywood. Robbie consegue traduzir toda a simpatia, ingenuidade e gentileza da personagem com muita graciosidade. Particularmente, a cena em que ela está no cinema assistindo aos próprios filmes é de encher os olhos, ainda mais por sabermos o seu trágico destino.

Destino este que é examinado pelo roteiro por outro ângulo, e precisa ser dito, é apoteótico e recompensador o que é entregue ao público nos 20 minutos finais do filme. Como se não bastasse a beleza deslumbrante esfregada em nossa cara, o absoluto domínio narrativo e estético esculpidos em cenas memoráveis, os minutos derradeiros carimba Tarantino como um dos melhores em atividade. O diretor ousa em fazer uma passagem rara em sua filmografia para selar a homenagem, finalizando-a de maneira pungente e belíssima, o que talvez seja uma das cenas mais emocionantes entre seus filmes. Sair da violência gráfica para adentrar uma delicada despedida em questão de segundos não é pra qualquer um.

Tal qual o título indica, “Era Uma Vez em… Hollywood” é uma carta de amor ao cinema em formato de fábula que vai agradar não somente os fãs de Tarantino, mas também os fãs da Sétima Arte.

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