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27 de novembro de 2024

A INVASÃO BÁRBARA E O LIXO


Por Rogel Martins Barbosa Publicado 13/02/2019 às 10h15 Atualizado 20/02/2023 às 00h52
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Ao contemplar tanta desordem, tanta dificuldade em solucionar o problema do lixo, que me parece que não é difícil, mas apenas falta vontade, ocorreu-me que talvez ele em si seja consequência de um outro, o verdadeiro problema.

Mario Ferreira dos Santos, um grande filósofo brasileiro do século XX, escreveu uma obra, que recomendo, chamada Invasão Vertical dos Bárbaros. Nela, ele revela como nossa cultura ocidental estava e digo que ainda está, sendo atacada com a superioridade da força sobre o Direito, a valorização da horda, a disseminação do mau-gosto, a valorização do inferior, a influência do negativo, a valorização do criminoso, a desvalorização da inteligência, a desvalorização da vontade, a barbarização da ciência e da técnica, a deshumanização do homem e o cientismo ingênuo, entre outros.

Estou convencido, embora este artigo seja apenas um sinal dado para um caminho a ser pesquisado, de que esta invasão bárbara descrita pelo filósofo tem atingido o lixo.

Não me parece casual o descaso público pela solução dos resíduos, já que existem formas de tratá-lo, não me parece casual as pessoas conviverem com a sujeira nas ruas ou serem capazes de fazer de suas casas ou espaços públicos depósitos de lixo.

Há algo mais do que aceitar complacentemente pessoas vivendo no lixo ou pessoas sujando sem necessidade.

Não consigo imaginar que as pessoas em sã consciência acreditem como natural uma cidade suja, com lixo exposto esperando coleta, com caminhões imundos e fétidos derramando chorume, coletando resíduo para ser disposto em lixões ou mesmo em aterros sanitários, que não passam de depósito para que no futuro alguém dê solução àquele lixo.

Não pode ser natural ver esgoto a céu aberto e ninguém fazer nada, esperar um governo (expressão mais do que etérea, já que não tem nome nem CPF para ser cobrado) que, quando muito, promete com intenção de não cumprir.

Este barbarismo que nos aflige e nos sufoca sem que ao menos esbocemos reação talvez tenha a ver com nossa impossibilidade de contemplar a beleza. Num mundo de relativismos, onde se apresentam como positivo alimentos produzidos a base de fezes, parece que não há mais valor absoluto como vida, beleza, verdade, ordem.

Lembrei-me do filósofo inglês, ainda vivo, Roger Scruton, autor de uma obra, que também recomendo, chamada Beleza. Este filósofo fez um documentário, chamado “Why Beauty Matters” ou “Por que a beleza importa”, exibido pela BBC em 2009. Ele tem esta frase logo na introdução do documentário:

“(…). Não apenas a arte fez um culto à feiura; a arquitetura também se tornou desalmada e estéril. E não foi somente o nosso ambiente físico que se tornou feio. Nossa linguagem, nossa música e nossas maneiras estão cada vez mais rudes, egoístas e ofensivas; como se a beleza e o bom gosto não tivessem nenhum lugar real em nossas vidas. (…). Eu acho que nós estamos perdendo a beleza e há um risco de que, com isso, nós percamos o sentido da vida.”

Esta feiura que não nos incomoda vem acompanhada da sujeira, que parece que também não nos incomoda. Se incomodasse, eu tenho certeza que governos cairiam pela má gestão nesta questão.

Admitimos a urbe feia. Admitimos a urbe suja, num ato de barbárie, ainda mais sabedores dos efeitos nefastos da sujeira, do lixo mal disposto, do lixo não tratado, do esgoto a céu aberto, das fossas negras, do mato não cortado ou do lixo esparramado.

Perdemos a noção do valor, da equipolência. Não conseguimos mais ter uma escala de valores e distinguir o que é prioridade e duradouro do que é supérfluo e efêmero. Queremos guerra ao canudo, enquanto tem lixo mal coletado nas ruas, enquanto temos ruas que nem varridas são ou enquanto nosso lixo vai para aterro sem ser tratado.

Acho que a invasão bárbara, no significado denunciado por Mário Ferreira dos Santos, completou-se. Na #HistoriaDosResiduos já ouvimos este apelo: precisamos de sanidade!

Quem é o articulista
Rogel Martins Barbosa
Advogado, escritor, professor do curso História dos Resíduos e autor do livro Política Nacional de Resíduos Sólidos, entre outros.

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