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23 de abril de 2024

A TAL DA CONSCIÊNCIA


Por Rogel Martins Barbosa Publicado 06/08/2019 às 10h00 Atualizado 23/02/2023 às 19h42
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Nas minhas andanças e exposições sobre resíduos, sempre me deparo com a pergunta: qual a solução? Mas as pessoas não têm a devida paciência para compreender o problema, querem tão somente uma resposta pragmática, até simplória, de um problema que é efeito de uma outra causa aparentemente não ligada aos resíduos.

Penso que nosso problema com o lixo tenha mais a ver com a invasão vertical bárbara nos termos do Mário Ferreira dos Santos ou com a Beleza do Roger Scruton, que com o lixo. Nosso problema tem muito a ver com a possibilidade de se sentar à mesa com a família para se alimentar, como observou Theodore Dalrymple. Mas se eu tentar explicar, as pessoas não vão querer ouvir. Talvez o problema seja a síndrome do pensamento acelerado identificada por Augusto Cury.

Talvez ainda o problema do lixo seja porque nós cristãos não somos mais cristãos como deveríamos ser. A #HistóriaDosResíduos já mostrou como pessoas que atendem verdadeiramente os preceitos judaicos/cristãos agem bem, não por si, mas por sua relação com Deus, sobre a questão da sujeira.

As pessoas quando me ouvem, acredito que por minha formação, já reclamam que precisamos de lei, lei severa, lei para pôr ordem na casa. Aí sempre tenho que esclarecer: lei não resolve. Como não resolve? Respondo: se revolvesse, por exemplo, com mais de 1930 normas ambientais federais neste pais, não teríamos nenhum problema ambiental. Agora imagine o número de normas dos 26 estados e mais do distrito federal? Agora amplie o problema imaginando os 5.570 municípios?

Lei não resolve e vou dizer o porquê.

O primeiro engano sobre a lei é que se confunde lei com o direito. Lei não é direito. É um instrumento do direito, como também pode ser um ataque ao próprio direito. Recomendo a leitura de “A Lei” de Frédéric Bastiat.

Para entender o instrumento precisamos saber quem é seu detentor. O direito não é o que se diz hoje. Direito não é instrumento de caridade. O direito conforme Cícero, lido pelas lentes de Thomas de Aquino e reproduzido por Michel Villey, é a divisão proporcional dos bens e dos encargos entre as pessoas na sociedade.

Esta divisão proporcional não alivia e nem sobrecarrega as pessoas.

Outra informação: o direito é uma expressão da sociedade para o equilíbrio. O direito não é algo para uma classe de pensadores elevados e ligados aos céus. O direito é uma expressão do sentimento do homem comum, do homem mediano. Costumo dizer que se o homem comum não compreende uma regra jurídica, é porque ela não é conforme o direito. Exemplo? Nosso cipoal tributário. Não se entende, mas sabemos que o resultado é retirar em torno de 50% do que produzimos e sabemos que isto é iníquo, logo, contrário ao direito, porque esta divisão não é proporcional. Na verdade, é uma relação injusta de confisco. Mesmo posso falar do cipoal ambiental, com algumas normas absolutamente desproporcionais.

Voltando, se o direito é uma construção do homem médio para o homem médio, ele nasce como uma consciência deste homem e não de progressistas isolados. Quando esta consciência amadurece, se torna senso comum, então a sociedade que já adquiriu este direito em seu espírito coletivo, decide que uma norma deve vir ao mundo físico, com a intenção de que aquele acerto coletivo não seja rompido.

O vir ao mundo físico trata-se do que chamamos lei. Quando a lei nasce desta consciência, então é uma lei exequível e respeitada. Haverá o infrator da lei? Sim. Mas esta infração será exceção e não regra.

O que tem acontecido é que sistematicamente em meio ambiente e por sua influência em resíduos, temos um progressismo em descompasso com a sociedade. Temos um legislador progressista, alheio aos anseios e míope a realidade social, criando normas que não serão efetivamente obedecidas, ou serão obedecidas ao preço da força, porque não refletem a sociedade e nem são fruto de seu amadurecimento. São normas propaganda para ações progressistas.

O que vemos hoje é o uso da lei como mecanismo de controle promovido por grupos progressistas, que de alguma forma acabaram por dominar o processo legislativo através de um discurso politicamente correto. Discurso que as pessoas falam, mas não são o que falam, pelo simples fato de que não é condizente com a natureza humana ou amadurecimento social. É um discurso mais ligado a negação de um momento histórico, que uma realidade natural da sociedade.

Pelo propósito do artigo nem vou entrar na questão da justiça, que é uma coisa ligada mais aos primeiros problemas que levantei. Só para um alerta: hoje as pessoas querem justiça para que os outros cumpram e caridade para si. Mas não entraremos nesta seara.

Também farei a ressalva, antes que me acusem de omissão, de que é possível lei que não decorra diretamente do sentimento coletivo, mas sempre ela estará ligada como consequência lógica deste sentimento. Sempre será uma forma escrita do senso comum. Nunca poderá ser algo desconexo, senão será apenas um instrumento contrário ao espirito da sociedade.

Olhando para os resíduos em concreto, entendemos bem porque a lei não resolve. As leis falam em redução, mas olhe para si mesmo ou para seu vizinho, existe em seu sentimento pessoal esta necessidade de redução que produz em você a necessidade de não deixar comida no prato? Ou que faz com que você pese cotidianamente o quanto produz de lixo? Ou que lhe impeça de jogar lixo no chão ou recolher quando acha jogado?

Qual seu desejo quando coloca seu lixo para coleta? Você compra algo preocupado como será seu fim? Você deixaria de comprar uma mercedes por saber que ela é menos “consertável” que um fusca? Que ela tem mais plástico do que um fusca? Como você descarta seu sofá? Sua geladeira velha? Por outro lado, vemos irracionalmente se optando por alimentos sem embalagem, numa duvidosa conduta higiênica, em nome de uma redução que é insignificante em relação a atos mais fortes e que demandam menos energia e custos, como não trocar um celular a cada 2 anos!

Vou contar algo que revelo na #HistóriaDosResíduos e vai provar o que eu digo.

As latas de lixo começaram a ficar com os dias contados em 1970, quando o Município de São Paulo fez uma experiência com sacos de polietileno, abrangendo as residências da regional da Sé. Esta experiência vinha de uma cobrança com o problema que as latas causavam na coleta. A sociedade clamava uma solução. Ninguém mais aguentava ter que pegar sua lata a diversos metros da sua casa, toda amassada, ver que o fundo da lata ainda tinha resíduo ou ainda, ouvir o barulho da coleta.

Com os sacos da experiência, foi entregue um questionário para as pessoas apontarem as vantagens e desvantagens desse novo método de acondicionamento de lixo. O resultado do questionário apontava que as pessoas preferiam o saco a lata.

Assim, no dia 5 de dezembro de 1972 entrou em vigor uma lei sancionada pelo prefeito Figueiredo Ferraz, tornando obrigatória a utilização de sacos plásticos para o lixo em São Paulo.

Era o fim definitivo das velhas latas de lixo que integraram por muitos anos a paisagem da cidade e serviram, até mesmo, para dar nome ao cão sem raça, o vira-lata.

A lei pegou? Sim. E foi amplamente copiada, porque a sociedade adotou e viu o benefício que naquele momento causava. A lei veio posterior a esta consciência social, de que não era mais possível as latas.

Hoje se ataca o plástico de forma raivosa. Mas lei proibindo o plástico resolve? Não, enquanto não houver algo melhor e mais prático. O espírito humano exige liberdade de escolha e razão para escolher.

Eu diria mais, uma hora destas que tantas vezes vimos a história marcar, nasce uma contrarrevolução, porque naturalmente o homem não se sujeita àquilo que em seu íntimo classifique como iníquo.

Já que lei não resolve, o que resolve? A tal consciência. Não era problema ter lixo no porão até que a microbiologia revelou que havia mais que um cheiro podre no ar, cheiro que se acostumava, mas não dava para se acostumar com microrganismos que matavam.

Como adquirir consciência? Primeiro conhecimento e depois ação. Fazer é outro grande problema. Mas façamos como os japoneses e seu conceito kaizen: a filosofia da melhoria continuada.

Primeiro preste atenção à sua volta. Questione. Conheça o passado e descubra o que já foi feito. Não seja infantil negando a história e imaginando que sem conhecê-la pode desenvolver seu pensamento. Nós somos fruto da ação dos nossos antepassados. Compreenda o que você é e significa neste momento histórico. Daí você dará o passo para chegar à tal consciência.

Rogel Martins Barbosa, doutor em Direito dos Resíduos, professor do curso História dos Resíduos e autor, entre outras obras, do Politica Nacional de Residuos Sólidos Urbanos, Guia de Orientação para Municípios.

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