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08 de dezembro de 2025

Resenha: A Voz Suprema do Blues


Por Favor Rebobinar Publicado 21/01/2021 às 12h40 Atualizado 19/10/2022 às 10h20
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A contribuição de August Wilson (1945 – 2005) é inestimável para a dramaturgia estadunidense. Fenômeno na Broadway, o autor foi consagrado com dois prêmios Pulitzer na categoria Teatro por seus espetáculos “Fences” e “The Piano Lesson”, ambos no final dos anos 80. O que todas as peças teatrais de sua autoria têm em comum é mostrar o cotidiano de homens e mulheres negras no decorrer das décadas do século XX. Temáticas como o trabalho, a família, a educação, a cultura e a intolerância racial eram recorrentes em suas histórias protagonizadas por pessoas comuns.

Uma de suas criações artísticas recentemente adaptada para o cinema foi “A Voz Suprema do Blues”, inspirada na cantora Ma Rainey (1886 – 1939), chamada ainda em vida de “A Mãe do Blues”, porém hoje totalmente desconhecida e apagada pelos registros históricos da música.

Um dos motivos para o seu apagamento certamente foi o temperamento instável e suas características, que não eram tão aprazíveis para a indústria. Ma Rainey era bissexual, negra, gorda, de meia-idade, e ainda assim era de interesse dos empresários, afinal, sua voz era descomunal e rendia boas cifras para as gravadoras. Ela tinha consciência da exploração de seu talento e, por isso, era exigente e não aguentava desaforo dos brancos. “Eles não se importam comigo. Tudo o que eles querem é a minha voz, eu já aprendi a lição. Bom, então eles vão me tratar do jeito que quero ser tratada”, vocifera em uma de suas cenas.  

Diante de uma personagem tão impressionante, e ainda abordando temas tão relevantes, como a injustiça social e a busca dos negros sulistas por oportunidades de trabalho no norte, evento conhecido como A Grande Migração, é lamentável concluir que “A Voz Suprema do Blues” seja um projeto tão falho e equivocado desde a sua concepção.

Começamos pela dificuldade do filme em encontrar uma linguagem menos engessada e que usufrua das potencialidades que o cinema oferece. Não acho que “A Voz Suprema do Blues” seja “teatro filmado”, mas é visível que o filme se mantém refém de suas origens teatrais, tendo em vista o desenrolar das longas falas nas cenas enclausuradas e com a câmera na face dos atores quanto pelo tratamento sem identidade e pouco inspirado que a obra recebe.

Os esforços limitados do diretor George C. Wolfe são incapazes de formular um registro visualmente satisfatório, e o resultado é expresso de forma chapada, sem profundidade. A opacidade da narrativa respinga no roteiro, cuja transposição do texto para o formato audiovisual enfrenta problemas de ritmo e se acomoda em soluções convenientes. A obviedade das metáforas (o trem, o sapato e a porta fechada que dá na parede) também é outro incômodo, alarmado pelo script como elementos de admirável criatividade.

Enquanto se assiste a “A Voz Suprema do Blues”, a impressão que se tem é que os realizadores confiaram todo o êxito da produção ao elenco. E deste departamento não dá para reclamar, salva uma exceção. Escorando-se em uma interpretação essencialmente física, o desempenho de Viola Davis como a personagem-título é decepcionante. Para além da dublagem sofrível, há momentos isolados em que a atriz mostra a sua força, como quando Ma Rainey declama sobre a influência do blues em sua vida. Esta cena é maravilhosa e quebra o aspecto unidimensional da mulher geniosa e inflexível. De resto, Davis se vale de muletas interpretativas, como enchimento, maquiagem pesada e prótese dentária, e vai de carona em uma caricatura aquém de sua magnitude.   

Em contrapartida, os demais atores estão em estado de graça, de Colman Domingo ao veterano Glynn Turman. Mas o destaque é a atuação extraordinária de Chadwick Boseman, a sua última no cinema. Como o ambicioso trompetista Levee, o ator está magnético e transita por diferentes sentimentos do personagem, da alegria à raiva, com exímia desenvoltura. Há dois monólogos excelentes no decorrer da trama em que Boseman brilha, ele enche a tela. Findadas estas cenas, o espectador é novamente convidado a se aborrecer com as irregularidades do filme.

Sem personalidade, “A Voz Suprema do Blues” fica na memória por dois motivos: trazer luz a uma artista de outrora que foi historicamente descartada e o adeus triunfal de Chadwick Boseman, no melhor trabalho de sua carreira.

“A Voz Suprema do Blues” está disponível no streaming da Netflix.

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Cinema e divagações, por Elton Telles.