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08 de dezembro de 2025

Resenha: Uma Noite em Miami


Por Elton Telles Publicado 18/02/2021 às 14h53 Atualizado 19/10/2022 às 10h21
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A noite em Miami à qual o título do filme se refere é a do dia 25 de fevereiro de 1964, data histórica em que o pugilista Cassius Clay – futuramente sob a identidade de Muhammad Ali – fora consagrado, aos 22 anos de idade, campeão mundial de pesos pesados. A conquista do jovem lutador, no auge de sua carreira, merecia uma comemoração, e eis que este episódio verídico é sucedido por um encontro fictício entre quatro personalidades importantes da história dos Estados Unidos, abrangendo as áreas da política, esporte e entretenimento.

Em “Uma Noite em Miami”, o espectador é convidado a participar de uma festa particular em um módico quarto de hotel. Em vez de música, bebidas e descontração, a celebração que deveria ser divertida é soterrada por brigas, discussões e militância. O anfitrião é o ministro Malcolm X, um dos grandes ativistas políticos pela causa dos negros nos EUA, e os demais presentes, além do campeão Ali, são o cantor Sam Cooke, considerado um dos precursores do soul, e o maior atleta de futebol americano da época e posteriormente astro de Hollywood, Jim Brown.

Quatro homens negros de personalidades bem distintas em uma noite quente, trancados em um quarto, debatendo sobre suas diferenças. Essa é a premissa de “Uma Noite em Miami”, baseado na peça homônima do dramaturgo Kemp Powers, que também assina o roteiro do filme.

Por ser uma adaptação do teatro, não é de se surpreender que a grande força do longa está em seu texto, no qual a produção imprime toda a sua envergadura. Os diálogos são excelentes e mesmo que soem, por vezes, “textões” sob encomenda com fundo moral a fim de conscientizar os personagens – e, consequentemente, os espectadores –, a encenação injeta veracidade e coerência no que poderia ser rebaixado como um encadeamento de sermões tirados de uma página politizada do Facebook.

Entretanto, pesa negativamente a adoção de uma estrutura episódica para o desenvolvimento do roteiro, com cenas convenientemente demarcadas. Ainda que a narrativa fragmentada não prejudique o ritmo e a unidade dramática, fica a impressão de que, caso as cenas fossem isoladas, todas se resolveriam em si por terem começo, meio e conclusão próprias. Isso acontece porque cada passagem apresenta um recorte muito específico sobre racismo, ora destrinchando a diferença de tratamento da sociedade com negros de pele retinta, ora sobre as pessoas negras trabalhando para tornar os brancos mais ricos, etc.

Nesse sentido, ao separar calculadamente o seu conteúdo, “Uma Noite em Miami” soa como um checklist de temáticas que poderiam ser abordadas e que, após repercutidas, se dão por encerradas e não retornam à discussão.

Olhando para os personagens centrais com empatia, “Uma Noite em Miami” também funciona perfeitamente como um tributo em conjunto. A proposta de abordagem destas quatro figuras emblemáticas é um grande acerto, porque todos são mostrados em seu momento de privacidade enquanto pessoas comuns, seres humanos cheios de falhas e despidos de toda pompa que acompanhava seus nomes.

O elenco de atores é, sem dúvidas, um dos melhores entre os lançamentos deste ano. No papel de Malcolm X, o ator britânico Kingsley Ben-Adir é uma revelação, e equilibra com brilhantismo a rigidez natural do personagem com os momentos em que demonstra arrependimento. Além disso, a composição física e os trejeitos de seu comportamento comedido enriquecem a interpretação, revelando uma faceta convincente do líder militante, cujos registros históricos não tiveram acesso. Mesmo vociferando discursos políticos em uma cena específica, logo na seguinte, o ícone é desconstruído e estamos diante do Malcolm X enquanto indivíduo, reservado e cauteloso.

Conhecido principalmente pelos musicais na Broadway, Leslie Odom Jr. representa com exímia desenvoltura um Sam Cooke temperamental e que não perde a oportunidade de ostentar sua riqueza. Eli Goree, por outro lado, rouba a cena por conta de seu Muhammad Ali vaidoso e bem humorado. O jovem intérprete preenche os espaços com carisma abundante, ao contrário do tom mais discreto que o ótimo Aldis Hodge empresta para personificar Jim Brown, um homem com fala mais branda e que corresponde perfeitamente ao restante dos atores.

Certamente, o fato de uma atriz ser a responsável pela direção de “Uma Noite em Miami” foi fundamental para alcançar desempenhos tão notáveis do elenco. Refiro-me à vencedora do Oscar Regina King, que estreia na função de diretora, entregando um resultado digno de nota e que esbanja elegância.

“Uma Noite em Miami” está disponível no streaming da Amazon Prime Video.

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Elton Telles

Cinema e divagações, por Elton Telles.