Dólar recua com expectativa de corte de gastos e desmonte de ‘Trump trade’
A perspectiva de anúncio iminente de medidas de cortes de gastos pelo governo Lula, após aceno do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e o desmonte parcial do chamado “Trump trade” abriram espaço para uma forte recuperação do real nesta segunda-feira, 4.
Após subir 1,53% na sexta-feira, 1º, quando fechou a R$ 5,8694, no segundo maior nível nominal da história, o dólar à vista encerrou o dia em baixa de 1,47%, cotado a R$ 5,7831, com mínima a R$ 5,7562 pela manhã.
O real, que havia apanhado mais que seus pares na semana passada, hoje apresentou o melhor desempenho entre divisas emergentes e de países exportadores de commodities mais relevantes, seguido pelo seu principal par, o peso mexicano.
Termômetro do comportamento do dólar em relação a uma cesta de seis divisas fortes, o índice DXY recuou, voltando a operar abaixo da linha dos 104,000 pontos. As taxas dos Treasuries caíram em bloco, com a T-note de 10 anos rompendo o piso de 4,30% pela manhã, quando registrou as mínimas da sessão. As commodities metálicas e o petróleo subiram.
O economista-chefe do Banco Master, Paulo Gala, observa que o real não foi a única moeda emergente a sofrer na sexta-feira, ressaltando que o peso mexicano também enfrentou uma desvalorização acima de 1% em meio à disparada dos juros dos Treasuries no fim da semana passada.
Ele nota que hoje há uma reversão do “Trump trade” – aposta na valorização do dólar em relação a outras divisas, em especial emergentes -, com o avanço da candidata democrata, Kamala Harris, nas pesquisas de intenção de voto, na véspera do pleito nos EUA. O candidato republicado, o ex-presidente Donald Trump, tende a adotar medidas protecionistas, o que pode prejudicar moedas emergentes.
“Os mercados estão desmontando parcialmente as posições agressivas de sexta-feira. No entanto, ainda é incerto quem vencerá a eleição, e o mercado segue oscilando conforme as notícias”, afirma Gala.
Ao quadro externo mais benigno somaram-se sinais de que o pacote de redução de gastos prometido pelo governo Lula vai sair do papel nos próximos dias. O ministro da Fazenda cancelou a viagem que faria à Europa nesta semana. Parte relevante do estresse no mercado de cambio na sexta-feira havia sido atribuída à percepção de que o périplo de Haddad mostrava falta de senso de urgência do governo em ajustar as contas públicas.
Pela manhã, o ministro disse que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva passou o fim de semana debruçado sobre as medidas fiscais, que podem ser anunciadas nesta semana, dado que “as coisas estão muito adiantadas do ponto de vista técnico”. Haddad reuniu-se com Lula hoje à tarde, acompanhado do secretário-executivo da Fazenda, Dario Durigan, e do secretário de Política Econômica, Guilherme Mello.
Pela manhã, o economista-chefe do Banco BV, Roberto Padovani, afirmou que seria consenso governo a desindexação do Benefício de Prestação Continuada (BPC) e que pode haver um ajuste no abono salarial. Estaria descartada a possibilidade de mudança nas regras de gastos com saúde e educação. Padovani participou de reunião com Durigan, em que foi discutido o tema da revisão de despesas.
Para o economista-chefe da Equador Investimentos, Eduardo Velho, se o governo não promover “um corte robusto” de gastos públicos, de uma faixa entre R$ 30 bilhões e R$ 40 bilhões, além de adotar cláusulas de ajuste nas despesas obrigatórias, o dólar à vista pode ultrapassar o nível de R$ 6,00 nesta semana. “Será preciso avaliar as medidas fiscais para saber se a recuperação do real não será apenas pontual”, afirma Velho.
Além da eleição presidencial americana e da expectativa para o corte de gastos, investidores aguardam as decisões de política monetária aqui e nos Estados Unidos. A maioria dos economistas projeta que o Comitê de Política Monetária (Copom) anuncie uma alta de 0,50 ponto porcentual da taxa Selic na quarta-feira, 6. Já o Federa Reserve tende a promover novo corte de 0,25 ponto em sua taxa básica na quinta,7.
A combinação de aumento da Selic com alívio monetário nos EUA poderia dar, em tese, fôlego ao real, por ampliar o diferencial entre juros interno e externo e, por tabela, aumentar a atratividade das operações de carry trade. Mas a percepção de risco fiscal e as incertezas relacionadas à eleição americana mantêm os investidores na defensiva e desautorizam apostas contundentes a favor da moeda brasileira no curto prazo.