Linha de cafés especiais foca trabalho feminino do grão à xícara


Por Brenda Caramaschi
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A ideia de ter uma linha especial totalmente produzida por mulheres uniu diferentes elos da cadeia produtiva, do grão à xícara, em várias cidades do Noroeste Paranaense./ Foto: Ana Almeida

O mercado de cafés especiais está em crescimento, principalmente por conta do investimento que vem sendo feito por negócios locais para proporcionar experiências gastronômicas diferenciadas por meio desse grão. Na última semana, uma força feminina regional se uniu para impulsionar ainda mais o setor.

A ideia surgiu em Cianorte, com Celene Viana, sócia da Semeado Cafés Especiais, uma empresa que nasceu com a proposta de fazer uma curadoria dos melhores grãos Brasil afora, comprá-los in natura e depois torrá-los e levá-los até o consumidor final. Nascida no Rio de Janeiro, Celene veio para o Paraná junto do marido, para ficar mais perto da família dele. Ela, que sempre trabalhou com vendas, atuou por muitos anos no setor de moda, muito forte na cidade conhecida como Capital do Vestuário.

Celene nem tomava café, não conhecia nada sobre esse mercado. O sobrinho dela, agrônomo, foi quem deu início ao projeto junto de um sócio, veterinário, vendendo os pacotinhos de café que eram colhidos na região, no porta-malas do carro. Quando o sócio quis sair do negócio, Celene e o marido entraram e a empresa se tornou cem por cento familiar. Foi aí que começou o garimpo para encontrar os melhores grãos.

A primeira compra foi feita com produtores de Minas Gerais, mas o produto foi perdido por conta de uma torra errada. “A gente foi tentar torrar o grão da maneira que todo mundo torra, no fundo do quintal de casa, no tambor. E não deu certo. O nosso café ficou cru, não ficou bem torrado, o nosso café virou esterco,” conta. Ela buscou ajuda na única cafeteria de cafés especiais da cidade onde, acabou fazendo uma parceria: o dono foi fazer um curso para aprender a torrar o café e ela entrou com o maquinário. 

Mas o mestre de torra que eles tinham conseguido em Cianorte queria lançar a própria marca e a parceria precisou ser desfeita. Era hora de abrir o próprio espaço. O marido foi estudar para poder torrar o café corretamente e eles conseguiram um espaço para montar a micro torrefação. “A gente começou a ganhar espaço. Aí de uma cafeteria foram duas, três, quatro, hoje nós temos sete cafeterias em Maringá que servem o nosso café”, comemora. Celene passou a participar do Núcleo de Cafés Especiais da Associação Comercial de Maringá e buscou capacitação na área para poder entender melhor o mercado.

Foi em uma missão técnica em Curitiba que veio a ideia de criar uma linha totalmente feminina. Lá ela conheceu Georgia Franco de Lima, a primeira mulher brasileira a se tornar mestre de torra e que abriu a primeira cafeteria dedicada ao café especial no País. “Ela torra café especial há 21 anos e eu não conhecia essa história. E aquilo me impactou. Eu falei, gente, quantas mulheres estão fazendo café especial e muitas não aparecem. Não se fala sobre a mulher no mundo do café. Fala como consumidora, mas não o que ela faz para esse café especial gerar economia, gerar trabalho, gerar várias coisas para a sociedade. E aí nasceu Feito por Ellas”, diz Celene, explicando a ideia de ter uma linha especial totalmente produzida por mulheres.

A primeira a fornecer o grão de café para a linha é Sandra Furlan Arruda, de Ivaiporã. Diferente da história de outras produtoras, ela não cresceu no sítio, em meio aos cafezais. Sempre foi comerciante, com uma vida muito urbana, e comprou uma chácara junto com o marido para que pudessem descansar. Ali plantaram trezentos pés de café, mas sem a pretenção de investir muito nesse cultivo. O marido tinha confinamento de gado, mas o negócio desandou e eles precisaram se reinventar. Sandra foi para o cafezal, trabalhar na colheita de café. Com a ajuda do Instituto do Desenvolvimento Rural, o IDR, ela descobriu o potencial que tinha em mãos para agregar valor ao grão.

O processo, trabalhoso, de colher o café maduro no pé, antes de cair no chão, mexeu com os sentimentos da nova agricultora. “Machucava as mãos, fazia calo, era muito sofrido. Mas eu fui pegando jeito, fui colhendo melhor, fui aprendendo a colher. E daí fui vendo o resultado. Naquele ano a gente já ficou em quarto lugar num concurso”, relembra. Ela começou a participar da cooperativa Mulheres do Café, do Vale do Ivaí e, ao ver cooperadas que tinham plantações com milhares de pés de café, se questionava sobre seu pequeno cultivo com 300 pés. “Mas eu vi que não era quantidade, era qualidade”. Ela colhia os gãos maduros direto do pé e aprimorou as técnicas de secagem.

A escolha do primeiro grão

A descoberta do café de Sandra veio por meio de uma degustação às cegas. Cada café era apresentado apenas com um número de identificação. Quando Celene provou o café de Sandra, foi amor ao primeiro gole. Ela guardou o número, entrou em contato com o IDR e foi atrás da produtora que havia cultivado aquele grão. Tempos depois, a empresária de Cianorte foi convidada para ser jurada em um concurso em que Sandra participou. Foi provar a amostra e ela já sabia de quem era, de tão marcante que era o sabor. Com sensoriais de cereja, caramelo, carambola e tangerina, o cafezinho passado por Sandra Furlan rendeu a ela o segundo lugar no concurso – com gostinho de primeiro.

A descoberta do café de Sandra Furlan veio por meio de uma degustação às cegas e foi amor ao primeiro gole. /Foto: Renata Mastromauro

“Eu fui com a minha chaleirinha, com o meu filtro, com a minha garrafa. Torrei o grão em panelinha de ferro que eu tenho lá em casa, porque eu não tenho torrador, e daí moí no liquidificador, porque eu também não tenho moedor. Cheguei lá e vi aquele pessoal com balança, colocando termômetro na água… E eu cheguei com a cara e a coragem, uma sacolinha de plástico, uma chaleirinha desbotada, tudo o que eu uso no dia a dia. Quando falaram que eu tinha perdido só para o dono da casa, que já está há 30 anos no café. Então me considerei primeiro lugar”, se diverte.

Como a cafeicultora queria inscrever a produção também no concurso estadual, precisava reservar sessenta quilos para amostra. Ela só conseguiria vender 20 quilos da pequena produção para Celene. Mas era o suficiente para colocar a linha Feito por Ellas no mercado. Para ela, ter uma linha com cafés cultivados por mulheres paranaenses vai ajudar a trazer mais reconhecimento para quem já trabalha com cafeicultura há anos. “Eles visitavam as propriedades e a mulher dizia ‘eu ajudo o meu marido’, não se considerava cafeicultora. Mas quem colhia era ela, quem fazia tudo era ela. Então acho que esse projeto está valorizando o trabalho da mulher, que muitas vezes ela vai para a roça, para o campo, ela colhe o café, ela chega em casa, ela tem jornada dupla porque ela tem que preparar o almoço, ela tem que preparar o lanche da tarde para o pessoal que está no café. Enquanto assim, a maior parte do tempo, de quem colheu e já descansou, ela está ali fazendo o trabalho de mãe, muitas vezes levando a criança junto, tudo. Então são mulheres que esse projeto veio para valorizar. Eu vou abrir espaço para essas mulheres”, diz Sandra. 

A linha além do campo

Mas a linha feminina não envolve só o campo. A ilustração da embalagem da linha Feito por Ellas foi criada por Priscila Castro de Souza, mais conhecida como Primavera.

Primavera se tornou “a artista do café” e para ela, a bebida é sinônimo de afeto. /Foto: Ana Almeida

Ela, sim, cresceu cercada pelo café em Paranavaí. A família era cafeicultora até a geada negra atingir o noroeste paranaense. Nos pés que sobraram e na área de secagem, ela brincava quando criança. E para ela, café é sinônimo de afeto. “Minha avó também plantou e colheu o café desde criança. Só que por mais que ela não gostasse de café, eu vi, por 40 anos, ela fazendo café todo santo dia pro meu avô. Ela não tomava, mas fazia pra ele todos os dias, até nos últimos momentos ali quando ele já estava acamado, porque era o que ele gostava, era o que ele pedia e isso sempre foi o maior carinho do mundo pra mim”, conta.

Primavera estudou na Universidade Estadual de Maringá e aos poucos se tornou a ilustradora oficial no TNT Pé Vermelho, uma competição de baristas locais que acontece mensalmente, além de fazer ilustrações para linhas de cafeterias da cidade. Mas esse projeto fortalecendo o feminino traz para ela um sabor diferente. “Essa questão de exaltar o trabalho feminino na sociedade, exaltar a potência da mulher, é incrível. Então eu sou extremamente grata de estar podendo fazer isso por meio do café. É a primeira vez que eu estou vendo isso acontecendo dentro do café”, celebra.

E para fechar o ciclo, a cada dois meses uma nova produtora vai fornecer os grãos para o Feito por Ellas. O lançamento dos micro lotes é sempre em uma cafeteria que tem à frente uma mulher. O primeiro foi no Le Petit Café, a primeira cafeteria de cafés especiais de Maringá fora da área central da cidade. Patrícia Duarte, publicitária por formação e com anos de experiência na área, abriu o negócio no Jardim Imperial depois de fazer um curso de métodos de extração de café. Na aula, ela era a única mulher. 

Patrícia Duarte abriu a primeira cafeteria de cafés especiais de Maringá fora da área central da cidade./ Foto: Renata Mastromauro

“Fui conhecer grãos, fui estudar métodos de preparo, fui fazer cursos de barismo, de análise sensorial, de tudo que você pode imaginar. Eu espero que o projeto continue por muitos anos, com mais cafeicultoras, mais cafeterias envolvidas, que mulheres estão à frente, mais baristas envolvidos com esse universo todo. Que fortaleça todo esse universo do café especial e também nós mulheres. As cafeterias estão sendo tomadas por mulheres. É o nosso principal público também, né? A gente tem muito mais clientes mulheres do que homens. Eu acho que cada vez mais vai trazer café de qualidade vindo de mulheres, mulheres que cuidam sozinhas de propriedades rurais, que cuidam da família toda a partir da cultura do café, e que vão fortalecer ainda mais suas produções”, prevê Patrícia.

A linha recém lançada agora busca novas cafeicultoras para fazer o projeto seguir. A empresária de Cianorte tomou para si a missão de garimpar por todo o Paraná os grãos mais saborosos produzidos por mãos femininas para levar às xícaras de toda a nossa região – e de onde mais houver um amante de café querendo prová-los. “Aonde tiver mulher, dentro do estado do Paraná, produzindo café especial e a gente puder chegar até ela e esse grão puder vir pro nosso projeto, é isso que a gente quer fazer. O café especial está fortalecendo uma cadeia que traz muita força, muita história e que movimenta a economia”, finaliza Celene Viana. 

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